terça-feira, 2 de novembro de 2010

Revista de imprensa (2/11/2010)

  • «Para políticos que dizem situar-se rigorosamente ao centro, como é o caso de Cavaco Silva, a política na sua dimensão conflitual é considerada como algo pertencente ao passado. O tipo de democracia que recomendam é uma democracia consensual, totalmente despolitizada, não partidarizada, sem confronto entre adversários, submetida aos princípios tecnocráticos e burocráticos implícitos naquilo que os banqueiros, gestores e empresários "modernos" designam por "boa governança", seja lá isso o que for. (...) conforme salienta a economista Teodora Cardoso, numa pormenorizada "análise crítica" publicada em 2005 (sob o título "Cavaco Silva, a ciência económica e a política"), o que "começou por faltar" a Cavaco Silva foi "uma orientação inequívoca, no sentido de aproveitar esta fase ímpar, mas passageira, para preparar a economia para um tipo de competição completamente diferente daquela que enfrentara no passado. (...) O caminho para Portugal não podia continuar a ser o da falta de qualificação e dos baixos salários".
    Teodora Cardoso esclarece o seu ponto de vista: "Ao contrário da moda recente de criticar a opção pelas infra-estruturas, não me parece que esta tenha sido um erro. Erros sim - e graves - foram a incapacidade de usar eficazmente os fundos de formação profissional; de levar a cabo uma reforma do sistema de ensino que privilegiasse as necessidades da sociedade e da economia; de proceder a um correcto reordenamento do território e a uma reforma do processo orçamental que permitisse a descentralização racional da gestão pública; ou (a incapacidade) de criar uma administração pública e parceiros sociais preparados para encaminhar o país no sentido que a integração europeia e mundial lhe impunham. Ao contrário do que às vezes se deixa entender, o facto de se construírem estradas não impedia que se melhorasse a qualificação dos portugueses. Pelo contrário, face à abundância dos fundos estruturais e ao crescimento rápido da economia e da sua capacidade de financiamento, ambas as opções eram não só possíveis como indispensáveis."

    Aproveitando "uma folga financeira irrepetível", Cavaco Silva criou um novo sistema retributivo (NSR) da administração pública, que podia ter sido a contrapartida ideal para levar por diante as reformas indispensáveis, mesmo que impopulares. Mas não foi. Cavaco Silva não quis correr riscos, e nem sequer mexeu nos múltiplos esquemas "especiais" que continuaram a proliferar durante os seus governos. Por isso mesmo, conforme conclui a professora Teodora Cardoso: "O que Cavaco Silva nos legou reduziu-se à expansão dos regimes especiais, ao reforço da rigidez e da incapacidade de gestão e inovação, e, sobretudo, a um aumento dos encargos com a função pública que correspondeu, em termos reais, à mais que duplicação da massa salarial das administrações públicas entre 1985 e 1995."
    » (Alfredo Barroso)

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