quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O shift de Hillary


Parece-me que a vitória de Trump acontece principalmente por causa de dois factores: perda de votos dos Democratas em quase todos os quadrantes para abstenção e/ou outros candidatos, à excepção dos escalões de rendimentos mais elevados, mas que devido à sua reduzida dimensão, não têm grande peso no resultado final; um saldo neutro, entre perdas num lado e ganhos noutro, de votos para Trump, principalmente à custa dum shift de voto maioritariamente branco da faixa dos 35k-50k/ano, que foi suficiente para compensar perdas nos rendimentos mais elevados e em zonas com baixa percentagem de comunidade branca. O saldo final permitiu a Trump se manter, em termos absolutos, nos mesmos níveis que Romney em 2012.

Penso que o primeiro factor foi mais relevante, pois a perda de voto Democrata foi muito significativa. E portanto que tenho algumas dúvidas sobre se houve uma transição em grande escala de voto do partido Republicano para o Democrata.  Para o resultado final contou mais o "não voto" nos Democratas. Tendo em conta que a ideia seria votar com olhos fechados em Hillary (muita da discussão em torno de quem votar, não foi realmente sobre as qualidades da Hillary, mas sobre o risco de Trump ganhar), é possível que muitos milhares (milhões?) decidiram simplesmente não votar. Esta dinâmica observa-se principalmente nos votos dos rendimentos mais baixos, onde tanto Republicanos como Democratas perderam votos.



O que mostro aqui é uma pequena análise estatística dos resultados das eleições americanas, que talvez nos possam ajudar a compreender melhor a dinâmica de voto.

Todos estes gráficos resultam de uma análise agregada, por condado, das resultados das eleições presidenciais americanas de 2016 e 2012. Analisei apenas os votos dos partidos Democrata e Republicano.

A análise incide sobre os resultados de 3111 condados (quase 100% do total) mais os seguintes indicadores: salário médio anual de 2012 e 2015 (a preços de 2012), percentagem étnica da população (censos 2010) e densidade populacional (censos 2010).

Todos os gráficos mostram o seguinte: linhas contínuas e a tracejado mostram os resultados das eleições de 2016 e 2012, respectivamente, em relação à variável em análise. Azul representa o partido Democrata e vermelho o partido Republicano.

A análise é realizada em agregados de condados, i.e, os resultados respondem à seguinte questão: qual é a quantidade de votos, por candidato (ou percentagem), por conjunto de condados com a mesma característica em análise?

Para os valores em que a linha contínua é maior que a linha a tracejado (para o mesmo valor da variável de análise) significa que houve um ganho em percentagem ou votos (consoante o gráfico), e vice-versa. De notar que para os gráficos que mostram os resultados percentuais há quase sempre uma tendência de simetria, pois a perda de um partido foi +- o ganho de outro. Mas no caso dos gráficos que mostram a totalidade de votos tal fenómeno pode não acontecer, pois a perda de votos não significa sentido de votos direto para o outro partido.

Este primeiro gráfico (Fig. 1) é apenas uma recolha do resultado absoluto do número de votos que Hillary e Trump tiveram comparativamente aos anos anteriores. Deste gráfico de barras podemos ver que em termos absolutos Trump não teve grande votação. Aliás, teve menor nº de votos que Romney em 2012. A principal dinâmica foi a perda de votos dos Democratas. Passaram de quase 70 milhões em 2008, para aproximadamente 65 milhões em 2012 e agora 60 milhões.

Fig. 1


A Fig. 2 em baixo é a primeira da tal análise por agregados de condados. Nesta primeira imagem podemos ver a relação dos resultados eleitorais em termos percentuais com o salário médio. O gráfico parece indicar com alguma certeza que há um padrão em relação ao rendimento. Diz-nos que até aos rendimentos de aproximadamente 60mil/ano houve uma transferência de percentagem (atenção que não é transferência direta de votos!) de Democratas para Republicanos. Já nos condados com rendimentos médios acima deste valor, houve um aumento para os Democratas e perda para os Republicanos. De notar o ponto dos 90mil/mês, que transferiu uma boa quantidade de pontos percentuais dos Republicanos para os Democratas. 

Os pontos a preto mostram o “share” de votos em relação ao total. Como a maior parte dos votantes está nos rendimentos abaixo dos 60mil/ano, a dinâmica de percentagem dos rendimentos mais altos não tem grande peso no resultado final.


Fig. 2


Na Fig. 3 podemos ver os resultados do nº de votos vs o salário médio. O que daqui podemos concluir é que houve uma perda de votos por parte dos Democratas nos condados com rendimentos abaixo dos tais 60mil/ano (linha contínua abaixo da correspondente a tracejado). Mas isto não significa que esta perda de votos foi uma transferência direta para Trump. O gráfico parece indicar que só houve transferência para os rendimentos entre +-35k e 60k. Abaixo dos 35k também os republicanos perderam nº de votos. Muito provavelmente para abstenção ou outros partidos. Já para os valores acima dos 60mil/ano vemos que houve um ganho de votos por parte dos Democratas, à exceção da mesma zona que já vimos em cima, entre os 90 e 100k (o resultado neste ponto é contraintuitivo, pois ao mesmo tempo que os Democratas perderam votos, ganharam em percentagem; de notar que esta é uma zona com muitos poucos votos, e portanto o mais provável é que os resultados da análise nesta zona sofram de ruído estatístico).
Também é de relevar que a tendência de voto republicano nos condados com menos rendimentos médios não é novidade, e o mesmo  para o voto democrata.

Fig. 3


A Fig. 4 mostra a mesma análise mas agora em relação ao rácio de população branca. Do gráfico podemos ver que não é novidade a relação do voto branco com o voto republicano. A diferença para este ano é que tal correlação acentuou-se. A única zona onde os republicanos ganharam pontos percentuais é na região dos > 85-90%, com respectiva penalização na percentagem democrata.

Fig. 4

Na Fig. 5 podemos ver a mesma análise, mas agora tendo em conta o número total de votos. Do gráfico podemos ver que há uma perda de votos ao longo de toda a curva dos democratas, com maior intensidade na região de aproximadamente 85%-95%, e muito possivelmente a irem diretamente para os republicanos. Também podemos confirmar a perda de votos para ambos os partidos para condados com baixas percentagens de população branca.

Fig. 5


A análise em relação à densidade populacional (Fig. 6) também confirma o histórico: que os condados do interior votam mais nos republicanos. Em relação à diferença entre 2012 e 2016, existe uma grande perda na já baixa votação em termos percentuais nos Democratas.

Fig. 6


Finalmente, em termos de nº absoluto de votos, parece que não há grande diferença entre 2012 e 2016, excepto na zona à volta dos condados com uma média de 100 habitantes/milha^2.

Fig. 7


3 comentários :

Miguel Madeira disse...

Ainda não será cedo para fazer contas contando com o número absoluto de votos? É que ainda há votos a serem contados.

Unknown disse...

Verdade, mas na prática não faltam muitos votos por contar. Os resultados não devem sofrer significativamente com tal actualização.

Patrícia Gonçalves disse...

Muito esclarecedor Miguel!