quinta-feira, 30 de junho de 2016

"Brexit" (2)

É evidente que este resultado do "brexit" deixou contente a extrema direita. É evidente que quem apoia esta decisão, mesmo não sendo de extrema direita, os tem como companhia. Estou farto de ler este "argumento". (Curiosamente muitos dos que o usam defendiam o "não" no referendo francês da Constituição Europeia em 2004. Nessa altura não tinham a companhia da extrema direita?) Quem o utiliza tem uma concepção bastante simplista, a preto e branco, da política. Ora esta questão está longe de ser simples. Claro que não gosto nada de muitos (se calhar a maioria) dos eleitores do "brexit". E daí?

"Brexit" (1)

No "Prós e Contras" sobre o "brexit" o Rui Tavares refere, e muito bem, como são diferentes os motivos dos defensores da saída da União Europeia no Reino Unido e em Portugal. No Reino Unido diz-se que a União Europeia é um modelo "socialista" contra os "mercados", enquanto em Portugal se diz exatamente o contrário. É possível que ambos tenham razão, de acordo com as expectativas de cada um. O que não é possível, nesse caso, é conciliar essas expectativas.
No mesmo programa o comissário Carlos Moedas encheu a boca com um discurso muito bonito, de como partilhando a soberania temos mais e não menos soberania. Que exemplos deu ele desta ideia tão bonita? Os empresários, pois claro, que podem abrir uma empresa onde quiserem. Todo o seu discurso, bem como o do outro economista convidado, era só sobre empresas e mercados. O que dizem só se aplica ao capital. A Europa deles é a Europa do capital.
De uma perspetiva europeísta, de uma Europa social, democrática e dos povos, a entrada do Reino Unido na União Europeia foi um erro histórico. O "brexit" deveria ter ocorrido com a chegada ao poder de Margaret Thatcher, em 1979. Não ocorreu, e desde então o Reino Unido foi quem mais influenciou a União Europeia no sentido dos mercados. Da parte da União Europeia, foram só cedências. Da parte da esquerda, foram só capitulações.
Já saem tarde.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

A pulsão de morte

Uma grande parte da esquerda portuguesa à esquerda do PS deseja a «Brexit». Simplificando, o argumento é que a União Europeia não merece ser defendida, e que da saída do Reino Unido só poderá resultar algo de bom.
Pois convém notar que o voto pela saída do Reino Unido será um voto por uma «saída pela direita»: motivada pela rejeição dos imigrantes e dos refugiados, contra a solidariedade económica com a Europa do Sul, contra a existência de instâncias judiciais a nível europeu. Na sexta-feira, e a vencer a saída, a cultura política num dos países chave da cultura política europeia ficará mais à direita do que esteve com Thatcher - e o governo será entregue a Johnson e Farage. Pior, não me parece que as instituições da União Europeia, a aceitarem sem pestanejar a saída de um dos maiores países europeus (o que não é certo), tirem a conclusão de que a União Europeia foi monetarista demais ou insuficientemente solidária. É mais provável que tirem a conclusão contrária, e em particular que a liberdade de circulação deve ser restringida. Haverá menos espaço para uma política progressista e cosmopolita na Europa, dentro ou fora da UE.

Convém considerar também as consequências para Portugal de uma saída do Reino Unido da União Europeia: vivem nos territórios britânicos uns 150 mil emigrantes portugueses. Não serão com certeza todos forçados a voltar imediatamente, mas se existir um efeito dominó com a saída de outros países europeus de Schengen e/ou uma radicalização à direita na França ou noutros países, poderemos estar a olhar para uma nova vaga de retornados.

Nos anos 30, a esquerda marxista não quis, em muitos casos, defender a democracia realmente existente (dita «burguesa»). Arrependeram-se. E afinal a história pode repetir-se: a alternativa à União Europeia pode bem ser a barbárie. Cuidado com o que se deseja.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O FMI e o "Neoliberalismo"

O FMI tem sido uma das mais influentes instituições internacionais a destacar-se pela promoção de políticas de desregulação, abertura de mercados de produtos e capitais, privatização dos bens públicos e redução do estado social. No entanto, o seu departamento de investigação tem publicado recentemente alguns resultados que contrastam com esta perspectiva. Os indícios de que estas políticas têm agravado as desigualdades, e por essa via prejudicado o crescimento económico vão-se acumulando, e é positivo que deixem de ser completamente ignorados por esta instituição.

No mais recente número da sua revista trimestral, o FMI publicou este artigo denominado «Neoliberalism: Oversold?», cujo cabeçalho reproduzo: «Instead of delivering growth, some neoliberal policies have increased inequality, in turn jeopardizing durable expansion».

O artigo não deixa de fazer várias ressalvas, mas mostra que os dados empíricos têm provocado mudanças no pensamento económico de alguns actores importantes. Já não era sem tempo.

Post também publicado no Ágora - Convergência à esquerda