sábado, 29 de setembro de 2012

A voz da Jerónimo Sachs

António Borges, a voz da Jerónimo Sachs e consultor para as privatizações, acha que a TSU (Taxa Social Única) era medida inteligente. A TSU era inteligentíssima para a Jerónimo Martins que iria arrecadar mais uns milhões à custa dos trabalhadores e cobrir as custas das promoções selvagens. Não há decoro nenhum, é inaceitável a cumplicidade entre este governo, os interesses dos grandes grupos económicos e a Goldman Sachs. Esta manifestação de hoje e a de 15 de Setembro foi também contra estas quadrilhas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A saúde TEM um custo

O lugar-comum, segundo o qual a saúde não tem preço, fica bem num jantar de família, mas não deve ter lugar na discussão política. Se um paracetamol custasse 1 milhão de euros, seria correcto pedir ao Estado que o comparticipasse?
O exemplo é obviamente exagerado, mas há cada vez mais tratamentos com enormes custos. Os gastos em saúde andam perto dos 150€ por português por mês (longe vão os 8%, aka 3x6, do Guterres), e por mais idealistas que possamos ser há um "preço" máximo incontornável: o próprio PIB per capita. Se quisermos ainda alimentação, educação e habitação, o "preço" máximo volta a descer.
Não conheço o caso do momento em concreto, mas o único ponto a debate é se devemos exigir mais ou menos da sociedade em termos de cobertura de gastos de saúde. Dizer que é um sector onde não deve ser feita uma análise custo-benefício, é desconversar.
A caloira (e herdeira na dinastia bloquista) Catarina Martins nem precisava de saber que até na Noruega e na Suíça se fazem análises de custo-benefício, ou de perceber de saúde pública, bastava recordar-se de uma polémica semelhante há poucos anos a propósito da vacinação contra a meningite (?), para perceber que avaliar custos não é um "precedente gravíssimo".

Quem diz mal do PM, tem de ser identificado

A propósito do episódio fascizóide do estudante que foi identificado à força apenas por ter mandado uma boca ao PM, só me ocorre perguntar:
Foi você que pediu uma asfixia democrática?

Polo norte a meio



Não acordemos, não...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Acha que sabe muito sobre liberdade de expressão? Sim? Então...

...Então responda às perguntas seguintes na caixa de comentários deste artigo. Todos os acontecimentos se deram esta semana. Não vale ir ao Google (ou às redes sociais).
  1. No Egipto, um manifestante foi preso por rasgar um livro «sagrado». Esse livro era:
    1. O Corão;
    2. A Torá;
    3. A Bíblia;
    4. O livro de Mórmon;
    5. Outro.
  2. Um homem foi preso por comparar, no Facebook, uma figura religiosa a um prato de massa. O país é:
    1. A Tunísia;
    2. O Egipto;
    3. A Arábia Saudita;
    4. A Grécia;
    5. A Rússia.
  3. Um sacerdote disse que «nada está acima da liberdade de expressão». A sua religião é:
    1. O islão;
    2. O catolicismo;
    3. O cristianismo na variante evangélica;
    4. O budismo;
    5. A cientologia.
  4. Uma democracia «ocidental» bloqueou o filme «A Inocência dos Muçulmanos» no youtube. O país é:
    1. Os EUA;
    2. O Brasil;
    3. Portugal;
    4. A Polónia;
    5. A Irlanda.
  5. Um presidente disse «eu aceito que as pessoas me vão chamar coisas terríveis todos os dias, e defenderei sempre o seu direito de as dizer». O presidente é:
    1. Mahmoud Ahmadinejad;
    2. François Hollande;
    3. Giorgio Napolitano;
    4. Barack Obama;
    5. Cavaco Silva.

  6. Respostas dentro de 24 horas ou mais.
    [Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

Há alternativa

Paulo Morais, esse Blasfemo um pouco desenquadrado do blogue em causa, voltou a escrever um texto que merece ampla divulgação.

Com o desejo de que nunca lhe doam as mãos, passo a citar integralmente(!) o seu artigo de opinião publicado no Correio da Manhã:

«A austeridade que fustiga os portugueses, com aumento de impostos e redução de salários, é perfeitamente evitável. Desde que o governo opte por outro tipo de medidas, que penalize menos os cidadãos e as empresas, retire privilégios aos poderosos e altere de facto a estrutura de despesas do Estado.

Em primeiro lugar, devem ser renegociadas todas as parcerias público-privadas rodoviárias, que chegam a ter rentabilidades garantidas superiores a 14%; o Estado terá, desde já, um ganho anual de cerca de três mil milhões de euros. A segunda medida consiste na imediata reestruturação da dívida pública, bastando substituir os contratos de crédito ruinosos, e assim poupar cerca de dois mil milhões. Não é admissível que o Estado continue a pagar anualmente em juros nove mil milhões de euros, mais do que gasta com o Serviço Nacional de Saúde.

Impõe-se ainda reduzir os alugueres e rendas imobiliárias que o Estado paga neste momento. São centenas de milhões de euros a mais em cada ano! Numa fase em que o mercado imobiliário está em baixa e as rendas nos privados vêm diminuindo progressivamente, porque não baixa a despesa do Estado nesta rubrica? Ainda por cima, quando muitos contratos foram inflacionados para favorecer proprietários amigos!
Outra área onde se poderia também obter um ganho de mil milhões é a da formação profissional. Grande parte da formação financiada limita-se a manter os formandos ocupados, enquanto a maioria dos recursos é desviada para o enriquecimento de alguns ‘empresários’ mais habilidosos.
Se o governo tiver coragem para implementar este tipo de medidas, pode poupar anualmente até sete mil milhões, sem penalizar os cidadãos. E muda definitivamente a estrutura da despesa do Estado, retirando privilégios aos poderosos.
Só quando os governantes tiveram a coragem de ousar este caminho, Portugal progrediu. Foi assim com D. João II, que pensou os Descobrimentos, ou com o Marquês de Pombal, instituidor do Vinho do Porto, que limitaram regalias às grandes famílias do seu tempo – como os Duques de Bragança e Viseu ou os Távora. Se não souber ler a história, Passos Coelho será apenas mais um mau governante, dos muitos que os portugueses já tiveram de suportar.»

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mas onde cortavam, então?

«Onde cortavam, então?», é o desafio que tenho visto, nas redes sociais, por parte de quem dá a cara para defender o Governo de Pedro Passos Coelho. No geral, o desafio menciona de alguma forma que «criticar é fácil, mas apresentar propostas alternativas é difícil», e admitindo que o Governo comete erros, não deixa de afirmar que não existe melhor alternativa para governar o país. Nesse sentido, há um lamento da manifestação «sem soluções» de dia 15 de Setembro.
Respondi a desafios neste sentido de três pessoas diferentes, mas a alguns não pude responder por falta de tempo e disponibilidade, pelo que fica já aqui esta resposta.

Em primeiro lugar, devo dizer que me parece um desafio corajoso. Os ataques por parte de Manuela Ferreira Leite, Alberto João Jardim, Paulo Portas (!) ao actual Governo não surgem por acaso: o Governo está com dificuldade em encontrar quem o defenda perante a nova realidade política. Dar a cara por este Governo na actual conjuntura pode revelar alguma cegueira e falta de memória, mas também revela coragem.

Mas se digo que o desafio revela cegueira, devo justificá-lo. E justifico-o com uma lista que tenho várias vezes mencionado. Com completa falta de pudor, este Governo tem desbaratado o erário público em negociatas que favorecem uma minoria. Onde cortar? E que tal começar por aí?
Aliás, nem que mais não seja por esta simples questão, a manifestação de dia 15 de Setembro seria de louvar, mesmo que nenhuma proposta fosse apresentada. As negociatas que prejudicam o interesse público têm mais tendência a acontecer num contexto de cidadãos desatentos e desinteressados. Se os cidadãos mostram vontade e capacidade de mobilização, o poder político reage, e o nível de «pudor» aumenta quando «toda a gente está a olhar».

Disse também que o desafio revela falta de memória. E afirmo-o porque Pedro Passos Coelho ganhou as eleições apresentando uma resposta a essa pergunta: as famosas «gorduras» do estado. Ele defendia que era possível cortar na despesa do estado sem afectar as prestações sociais. Fazia umas alusões a motoristas e carros caros, ou ordenados verdadeiramente pornográficos, e voila: problema resolvido. Passos Coelho disse que chumbava o PECIV, porque os sacrifícios exigidos neste pacote eram excessivos.
Então, o que é que foi feito para atacar «as gorduras»?
Podemos dizer que era mentira que isto permitisse resolver o problema sem exigir mais sacrifícios. Mas o engano principal não foi esse - era mentira que se iria fazer o que quer que fosse a este respeito. A realidade da sua governação comprova-o.

Neste sentido, creio que se impõe uma pequena viagem ao passado, começando pelo vídeo que não me canso de repetir:



Alguns tweets de Pedro Passos Coelho:

O PSD chumbou o PEC 4 porque tem de se dizer basta: a austeridade não pode incidir sempre no aumento de impostos e no corte de rendimento.

A pior coisa é ter um Governo fraco. Um Governo mais forte imporá menos sacrifícios aos contribuintes e aos cidadãos.

Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português.

E há muitos mais...


Por fim, uma pequena nota. Tendo em conta que algumas vezes o desafio é feito em jeito de procurar alternativas à medida relativa à TSU, convém lembrar que grande parte do corte nos rendimentos que esta medida representa não vai ajudar o Estado na sua situação orçamental difícil.
Aliás, as razões para defender uma medida tão absurda parecem-me bem escrutinadas aqui.

A candidatura da Cofina à exploração da RTP

Com este título, o "Cartão Vermelho Violento", a Cofina mostra do que será capaz se lhe oferecerem uma televisão. Estou mesmo em crer que este número do Correio da Manhã é uma espécie de  oficialização da sua candidatura à exploração da RTP. Só falta a assinatura do ministro Relvas e do administrador da Jerónimo Martins e ex-Goldman Sachs, o respeitabilíssimo António Borges.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Não deixar o Grande Líder cair em ridículo

Nenhum primeiro-ministro do mundo convida os jovens com elevado nível de formação a emigrar. O inimaginável aconteceu há meses com Passos Coelho e rapidamente surgiram dezenas de apoiantes (que 24h antes teriam concordado comigo) a aplaudirem a audácia do PM - algo como a versão política do seguidismo dos fanboys da Apple.
Na sua entrevista há dias, quando questionado sobre o destino dos fundos provenientes do corte da TSU nas empresas, o PM no seu habitual jeito atabalhoado de quem não tem resposta e tem de inventar uma no momento, diz que o Estado tem mecanismos para forçar a baixa de preços (tem??) e que poderia forçar as empresas a reinvestir o dinheiro extra.
Pois bem, desta vez o PSD e o governo foram mais longe na sua vontade de não deixar Passos Coelho fazer má figura, e vão tornar a ideia que lhe veio à cabeça no directo da RTP, em lei. O PSD pensa obrigar as empresas a reinvestir os fundos desse corte. Desde 1975 que não se via um governo com tanta vontade em interferir directamente nas decisões internas das empresas privadas... ironicamente um governo da ala liberal do PSD.
Para lá do ridículo, a medida contraria em toda a linha a grande motivação desta jiga-joga da TSU: baixar o preço do trabalho, que incentivaria a contratação de mais trabalhadores.

Pedro, amigo: pensa duas vezes antes da abrir a boca. A malta agradece. Abraço,
Miguel

domingo, 16 de setembro de 2012

O “erro” do João Galamba e de muita gente – quem disse que o governo falhou?


(Não, caro leitor mais distraído: este não é um texto do João Vasco. E, com a vossa licença, este parêntesis é uma piada privada.)

O João Galamba, na sua qualidade de deputado, confrontou o ministro das finanças com muitas das suas medidas. Foi uma muito boa interpelação do João, que tem tido um grande impacto em blogues e redes sociais. Mas o João parece insistir muito na tecla de que “a política do geverno falhou”. Não tenho a certeza de que se possa afirmar isso. O que se pode afirmar é que o governo enganou os portugueses, mas as consequências desta política desastrosa são de prever. Creio que se pode afirmar que o governo as sabe e as espera. Quem obtém o que esperava não “falhou”. E não sei se não se pode afirmar que o governo não enganou os portugueses – afinal eles não escondem que querem empobrecer o país e o desemprego é uma “oportunidade”, pelo que na ótica do governo vamos no bom caminho. Quem se enganou aqui foram os portugueses. Com este governo.

Histórico

(Praça de Espanha, Lisboa, hoje à tarde; via).

sábado, 15 de setembro de 2012

O dia em que tudo pode mudar

Faltam quatro horas. Até já.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Petição “Sem Ciência não há futuro”

(publicado no portal Esquerda.net)
Esta petição dirigida ao Ministro da Educação e da Ciência destaca na sua introdução que “a aposta na Ciência configura uma das soluções mais eficazes para a saída da crise” e que “a par do desenvolvimento da tecnologia, permitirá relançar a economia nacional e criar emprego”.

Para que estes objetivos possam ser alcançados, os autores da petição apelam para a urgência em travar o aumento da “fuga de cérebros”, destacando que este problema representa um “impensável desperdício económico em época de crise: é o investimento de décadas na Educação que agora abandona o país”. Recorde-se que o aumento exponencial da produção científica nacional, cada vez mais premiada e reconhecida a nível internacional, deve-se em grande medida ao trabalho de milhares de bolseiros. No entanto, para além desse trabalho de investigação é exigido irregularmente aos bolseiros que assegurem “uma parte substancial das necessidades de docência das universidades” e “uma série de outras funções, incluindo administrativas”. É denunciado também um conjunto importante de disfuncionalidades e problemas burocráticos graves que estão a atingir este ano os bolseiros de investigação da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia). A estes problemas conjunturais juntam-se problemas crónicos do nosso sistema científico. Os bolseiros não têm direito ao subsídio de desemprego, “não progridem na carreira (porque a carreira não existe), não têm direito a contrato de trabalho e os seus vencimentos não são atualizados há mais de 10 anos”. Conclui-se que esta geração de investigadores é simultaneamente, a “mais qualificada de sempre e, por comparação, a mais precária”.

Falhámos o défice porque.. há eleições na Holanda

No início da crise financeira, o PSD não aceitava a maior crise financeira dos últimos 80 anos como motivo para os maus resultados em termos de contas públicas.
Agora que está em São Bento, apesar da crise já não ser inesperada e apesar do brinde do BCE, até as eleições holandesas servem para justificar os seus falhanços descomunais.
E Cavaco, que dizia que era uma crise só nossa, por onde anda?

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Revista de blogues (11/9/2012)


  • «(...) Ao contrário do que se diz, o Tribunal Constitucional não chumbou as anteriores medidas do governo por causa da desigualdade entre trabalhadores do público e do privado, mas por causa da desigualdade no tratamento entre cidadãos com tipos de rendimentos diferentes. Essa desigualdade mantém-se e agrava-se no anúncio atual. Não se entende porque devem ser os trabalhadores por conta de outrem a pagar desproporcionadamente a crise, e sejam poupados a esta os detentores de rendimentos do capital, propriedade, etc.
    (...)
    Este é um caminho perigoso. Todos aqueles que se lhe opõem têm a obrigação de juntos encontrarem maneira de passar da simples oposição à resistência ativa e desta à construção de uma alternativa.» (Rui Tavares)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O polvo da Goldman Sachs (com a lula Borges)

Confirmo que esta emissão foi o acontecimento televisivo do dia em França (em Portugal o acontecimento é todos os dias bola e novelas), como se diz no Jugular. Interessante foi o anúncio de Mario Draghi (um dos visados) de compra de dívida ter surgido um dia após a difusão do documentário...
_Goldman Sachs - La banque qui dirige le monde 1/2 por tchels0o
_Goldman Sachs - La banque qui dirige le monde 2/2 por tchels0o

sábado, 8 de setembro de 2012

Mais uma do Maquiavelª de pacotilha

Miguel Relvas fez saber, através de um tal António Borges, que poderá encerrar a RTP2 e concessionar a RTP1 a privados. Face a isto, o que acabará mesmo por acontecer – a entrega (e não concessão) da RTP2 a privados e o desinvestimento na RTP1 -, apesar de ser um golpe duríssimo no serviço público de televisão em Portugal, acabará por parecer um mal menor, e o governo não  parecerá tão duro como o pintam. Miguel Relvas pode ser um licenciado da treta, mas de certeza que leu “O Príncipe”.

ª Não confundir com o nosso estimado leitor homónimo.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Revista de blogues (6/9/2012)

  • «In 2009 I stood with a marvellous group called British Muslims for Secular Democracy at a demonstration in central London. We were protesting against a march by Islam4UK, a clerical fascist outfit that straddled the line between extremist politics and terrorism. I loved the young men and women for their courage in standing up for liberal values. “Laugh at the enemies of Islam,” they chanted. “Freedom of speech will rule the world.” (...)
  • The band of 20 young Muslims were on their own. No one would support them, apart from strange men carrying British flags, standing a few metres away. I recognised one as a former football hooligan I had met before. I went over to ask him what was going on, and learned that he and his friends were members of an organisation called the English Defence League. They were not neo-Nazis, they assured me. They supported women’s rights and gay rights. They just wanted to protest against radical Islamists whose supporters bombed London, and attacked the funeral processions of soldiers killed in Iraq and Afghanistan. (...)

Reforma eleitoral

As discussões sobre a reforma do sistema eleitoral português (para a Assembleia da República) são recorrentes. Escrevi pontualmente neste blogue sobre o assunto. Neste artigo resumo as minhas ideias.

Note-se que, na minha opinião, as principais imperfeições do sistema actual são as distorções à proporcionalidade e o excessivo poder dos directórios partidários na escolha dos deputados (todavia, no essencial não considero que seja um mau sistema eleitoral). Seguem-se as minhas propostas.
  1. O número de deputados de cada círculo deveria ser atribuído em função do número de votos nesse círculo (e não pré-atribuídos a cada círculo). Concretamente: se houvessem seis milhões de votos em urna e duzentos deputados para distribuir, um círculo com sessenta mil votos em urna elegeria dois deputados, um com noventa mil elegeria três e assim sucessivamente. A principal razão para esta proposta é combater o fenómeno dos «eleitores-fantasma», que desequilibra a proporcionalidade ao atribuir o número de deputados aos círculos em função dos eleitores recenseados e não em função dos votantes. E também permitir que uma região com abstenção elevada tenha... bem, menos deputados do que uma região mais civicamente empenhada.
  2. Os círculos eleitorais mais pequenos deveriam ser agregados. Em 1976, Portalegre elegia quatro deputados e Bragança cinco, e Lisboa elegia 58 e o Porto 38. Entretanto, o número de deputados desceu de 263 para 230 (-12,5%). Em 2011, Lisboa elegeu 47 (-19%) e o Porto 39 (+2%). Portalegre elegeu apenas dois (-50%) e Bragança três (-40%). A desertificação do interior e a redução do número de deputados prejudicaram a proporcionalidade: é hoje muito maior o número de círculos em que se sabe que apenas dois partidos podem eleger. A agregação dos distritos alentejanos num único círculo e dos dois distritos transmontanos num só (e dois círculos beirões, por exemplo), permitiriam   uma melhor representação das minorias melhorando a proporcionalidade (que é a grande virtude do sistema eleitoral português). Uma alternativa à agregação de distritos seria usar divisões das regiões actuais como círculos eleitorais. Em qualquer caso, o objectivo seria obter uma dezena de círculos. Os círculos da imigração deveriam ser suprimidos (representam apenas 33 mil eleitores). Os emigrantes poderiam votar por correspondência para o seu círculo de nascimento. E o número de deputados deveria ser ímpar.
  3. Os imigrantes residentes há quatro ou mais anos deveriam ter direito de voto. Pela simples razão de que aqui vivem, pagam os seus impostos e sujeitam-se às leis.
  4. O voto deveria ser em lista e nominal. Esta é talvez a proposta mais profunda: deveríamos não apenas pôr um «X» numa lista, mas também um número indicando o candidato da nossa preferência nessa lista: se a lista em que votássemos elegesse dez deputados, um desses dez poderia ser o décimo primeiro ou o vigésimo terceiro da lista (se recolhesse o número de votos nominais suficientes). A grande vantagem seria permitir a escolha directa dos deputados pelos cidadãos (limitando o poder dos directórios partidários). A desvantagem (para muitos, não para mim) seria eliminar as quotas de género. O voto nominal permitiria ainda a possibilidade (saudavelmente subversiva) de o candidato derrotado à presidência do partido «Z» poder ter mais votos nas urnas abertas a todos os cidadãos do que o preferido dos militantes. Esse «banho de realidade» faz falta aos partidos.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Roubar é uma atividade competitiva

A Suíça é o país com o melhor índice de competitividade da economia. A multiplicidade de escândalos financeiros a que a banca Suíça está ligada, juntamente com as contas clandestinas dos maiores criminosos do mundo (que nestes tempos já ninguém liga) são sem dúvida um importante fator de competitividade, a batota sempre foi competitiva. E se dúvidas houver basta ver quem está em segundo. Singapura, esse país dirigido por uma máfia familiar onde o crime e a corrupção do clã dominante são legais, vem logo a seguir. A receita é a mesma da Suíça, mas numa versão com menos escrúpulos

Revista de imprensa (5/9/2012)

  • «(...) Cândida Almeida fala de uma corrupção (o itálico aqui quer dizer, como teria dito Eduardo Prado Coelho, “uma corrupção outra”, que não é “a corrupção”) que eu não faço a mínima ideia do que seja nem estou particularmente interessado em saber porque não tem o sentido prático e ético que nos interessa a nós, cidadãos, quando a usamos no debate político. A acepção judiciária em que Cândida Almeida usa a palavra servirá para ver, no catálogo das penas, qual se deve aplicar quando se prova em tribunal que alguém abusou de um cargo público, se abotoou com bens públicos ou desviou bens públicos para benefício próprio, do primo, do partido ou do banco que lhe vai emprego quando sair do Governo. Mas não é a acepção comum, que define corrupção de forma mais ampla, como desonestidade, como falta de integridade, como imoralidade, como roubo, como desvio e não apenas como um acto mas como uma cultura. A corrupção que eu e muitos outros sentimos (sim, uma percepção) no “arco do poder” em certos casos nem sequer é ilegal. É o caso dos deputados que são ao mesmo tempo advogados e consultores dos mais variados interesses, que foram eleitos pelo povo para defender a causa pública e que estão no Parlamento para defender interesses privados. Legal. Mas corrupção. É a corrupção da democracia. É o caso dos políticos que no Governo fazem favores às empresas que depois os compensam da sua lealdade contratando-os quando saem do Governo. Legal. Mas corrupção. Ou melhor: percepção de corrupção. É o caso das obras inúteis ou dos empréstimos contraídos a juros agiotas para benefício de construtoras e bancos em prejuízo do erário público. É o caso da venda a preço de saldo de empresas públicas para benefício das empresas compradoras. É difícil de provar que haja intenção de obter benefício próprio e dos amigos? Pode tratar-se de uma opção ideológica? Pode. Há de facto uma opção ideológica que consiste em roubar o Estado, distribuir as riquezas roubadas pelos amigos mais ricos e tentar reduzir os mais pobres à inanição e à passividade. Mas o verdadeiro nome disto é corrupção. Ainda que o PSD, o CDS e uma parte do PS nos andem a tentar convencer que isso se chama política. Não chama. A política é a generosidade da polis, da coisa pública. Esta gestão de fortunas que o Governo faz chama-se (desculpe, Cândida Almeida) corrupção. E existe.» (José Vítor Malheiros)

Hitler não terá barraquinha na Festa do Avante

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Mamãe, eu fui a Cuba e vi a vida lá

Um mês depois do regresso, e depois de já me ter passado a vontade de exterminar em massa taxistas e vendedores de charutos, creio que finalmente posso escrever sobre o país de Fidel Castro.
 Não pude escrever enquanto lá estive porque a internet custa seis dólares (mais corretamente seis CUCs – pesos convertíveis) à hora (e a ligação tem que ser feita através dos computadores deles – no meu caso, do hotel; internet sem fios é mais cara ainda).
 Se eu quisesse resumir Cuba numa palavra, essa seria “pobreza”. Mais do que quem nunca esteve num país do terceiro mundo pode imaginar. É preciso ir lá, e misturar-se com os cubanos – não ficar confinado num resort no Varadero – para uma pessoa ter o mínimo de noção do que se passa. Cuba é um país do terceiro mundo, e para quem como eu nunca tinha estado num país do terceiro mundo tal constitui um choque.
A maior falácia das descrições das viagens a Cuba da parte dos seus maiores críticos é que parecem esperar que Cuba não fosse um país do terceiro mundo, quando sempre o foi e sempre esteve rodeada de países que o foram. Quando comparada com esses países, em índices de desenvolvimento económico e humano, Cuba não se sai nada mal. A assistência médica e a boa educação não são um mito. Eu vi as escolas, as universidades, as urgências médicas em Havana abertas 24 horas por dia.
A diferença de Cuba para esses países outros países do terceiro mundo, ou emergentes, reside na ausência de uma classe média, que se traduz na total ausência de cubanos em atividades turísticas. No México ou no Brasil, para dar dois exemplos, existe uma classe média-alta que tem possibilidades de acompanhar os turistas em certos roteiros simples (nem que seja ir a uma discoteca). Mas no México 90 ou 95% da população não tem recursos para fazer os mesmos programas dos turistas (e no Brasil, antes do Lula, a mesma percentagem da população não teria, e ainda hoje uma grande percentagem não tem). A diferença é que, em Cuba, essa percentagem ronda os 100%. Cuba é portanto uma sociedade mais igualitária, e isso parece-me preferível. Matematicamente entre os 100% de Cuba e os 90 ou 95% de outros países do terceiro mundo não há grande diferença. Mas essa pequena diferença traduz-se numa grande diferença para o visitante, que em certas alturas em Cuba se vê totalmente rodeado de turistas, enquanto noutros países, mesmo do terceiro mundo, notaria uma presença mínima de nativos. Tal diferença ajudou a criar o mito, largamente difundido pela propaganda, de que em Cuba certos locais seriam proibidos aos cubanos e reservados aos turistas. Nada mais falso. Nenhum local é vedado à partida aos cubanos; se na prática é vedado, é porque eles não têm recursos para os frequentar (embora os museus e monumentos, por exemplo, sejam bem mais baratos para os cubanos que para os estrangeiros). Mas não é – eu pelo menos não vi nada que fosse – proibido.
A maior falácia das descrições de Cuba por parte dos seus apoiantes reside numa quase santificação do povo cubano. Como em tudo não se devem fazer generalizações apressadas. É verdade que não há roubos, mas há burlas. Há uma mendicidade disfarçada. Não vou dizer sequer que a metade das pessoas pede, mas a quantidade de pessoas nesta situação é maior que em qualquer outro país que eu conheça. Começam por nos perguntar as horas, e de seguida pedem-nos se lhes arranjamos um peso. Pedem ajuda, mas pedem sobretudo que façamos negócio com eles. E nesta forma são extremamente agressivos: entendem mesmo que temos que lhes comprar os charutos, ir dormir ao quarto da casa particular (legalizada) deles, apanhar o táxi deles. Chamam-nos, abordam-nos sem pedirem licença e não desistem enquanto estivermos à vista deles, mesmo que não lhes respondamos. Os taxistas, então, só nos largam se formos mal educados. Ao chegar a uma cidade das que visitei, tive literalmente de atropelar alguns com a minha mala de viagem para poder passar. Os cubanos entendem (bem) que os estrangeiros que os visitam têm mais dinheiro que eles. Uma boa parte dos cubanos, porém, faz tudo para lhes poder extorquir dinheiro. Também vi – a sério que vi – exemplos de dignidade e de solidariedade. Mas a dignidade e a simpatia generalizadas dos cubanos são um mito.
Finalmente: como já referi, procurei circular no meio do povo cubano, não me restringindo a locais para turistas. E posso garantir o seguinte. Numa ditadura, é de esperar que o povo viva assustado e com medo e Cuba, sendo uma ditadura (que o é – não o nego), não deveria ser uma exceção. Mas é. Em nenhum momento nenhum cubano me pareceu assustado ou com medo – digo-o com franqueza. A liberdade é um direito fundamental, mas não é o mais importante. Quando não sabemos como vamos sobreviver amanhã, nem nos preocupamos se somos livres ou não. E é assim que eu classifico o povo cubano – um povo tão pobre que nem se preocupa se é livre ou não. Um povo que não se pode preocupar com a sua liberdade, pois primeiro tem que se preocupar com a sua subsistência. E que não culpa o seu governo por isso, mas sim o embargo a que é sujeito. Conforme o afirmam vários autores (entre os quais diversos opositores ao regime) e eu concluo da minha experiência, aquele estúpido embargo é a maior garantia da longevidade do regime cubano.