quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Gregos e Alemães

Acho que nesta altura já toda a gente leu isto, mas parece-me interessante que as pessoas pensem nesta coisa da "ajuda" dos ricos aos pobres. O continente africano manda 25 mil dólares por minuto para os países ricos em juros das dívidas contraídas. Li não sei aonde que o retorno da ajuda ao desenvolvimento em Africa são 13 dólares por dólar investido. Muito do dinheiro nem sequer vai à Africa: é pago directamente aos empreiteiros que lhes fazem as as auto-estradas e as barragens e os aeroportos e as centrais.

Comunicado de Imprensa da Plataforma 15 de Outubro

Comunicado de imprensa da Plataforma 15 de Outubro, que merece ser divulgado a propósito destas ocorrências:

A ‘Plataforma 15 de Outubro’, internacionalista, apartidária e pacífica, reivindicando a reposição da justiça e da verdade no que diz respeito aos eventos do passado dia 24 de Novembro, declara:

  1. Testemunhámos e denunciamos a presença de polícia não fardada e não identificada na manifestação de 24 de Novembro, em frente a São Bento. Estes elementos, entre os manifestantes, incitaram à violência com palavras e acções, ao contrário do que afirmou inequivocamente o ministro da Administração Interna. Esta acção da polícia, de um Estado de Direito, e dito “democrático” configura uma ilegalidade e um crime. A acção da polícia nos piquetes de greve deste dia pautou-se igualmente pela ilegalidade e repressão, tendo-se apresentado nos locais onde se encontravam os piquetes armada com caçadeiras e metralhadoras, além de ter sido enviada polícia de intervenção para atacar e romper os piquetes.
  2. Repudiamos ser, consciente e propositadamente, apelidados de “delinquentes”, “criminosos” e outros adjectivos que claramente configuram um insulto pessoal e colectivo, com o único objectivo de anular a ‘Plataforma 15 de Outubro’ como sujeito político. Foi impedida a realização da Assembleia Popular prevista à mesma hora em que começaram os distúrbios. Está a ser construída, consciente e propositadamente, uma narrativa de terror social que visa claramente criminalizar o movimento social e os eventos da Greve Geral Nacional e manifestação que, tendo sido um grande sucesso, é minorada pela construção de factos e eventos de “violência” por parte das estruturas de poder.
  3. Manifestamo-nos contra a detenção avulsa de pessoas isoladas, sendo essa outra tentativa de reforçar esta narrativa criminalizadora.
  4. Somos e continuaremos a reivindicarmo-nos como uma plataforma de acção política pacífica e não aceitaremos ser, como colectivo, associados a qualquer acto de violência que cidadãos em nome individual possam cometer, na demonstração da sua legítima revolta.
  5. Rejeitamos a inversão total e propagandística da verdade que está em curso, procurando apelidar de violentas pessoas e movimentos que tentam defender os seus direitos e interesses, de forma pacífica. A violência das medidas de austeridade é que é indesmentível e por mais cortinas de fumo que por ela sejam lançadas, está à vista de todo o povo. Acusamos o governo de violência, directa e indirecta, sobre o país.
  6. Em resposta a esta campanha vergonhosa, informamos que convocaremos uma nova manifestação, a realizar no final de Janeiro.

Por tudo isto, a Plataforma 15 de Outubro exige:

- A divulgação pública das provas audiovisuais, filmes e fotografias que demonstram claramente a presença e acção provocadora de agentes da polícia não identificados e não fardados dentro da manifestação que ocorreu no dia 24 de Novembro.

- A abertura, por parte das entidades competentes, de inquéritos que visem a investigação da acção policial, nomeadamente o uso de violência sobre manifestantes isolados e a instigação à violência por parte de elementos não identificados e não fardados da polícia.

- Que os meios de comunicação social, que tão prontamente assumiram esta narrativa distorcida dos acontecimentos, dêm espaço às informações que têm vindo a público, cumprindo o seu dever de informar e repor a verdade dos factos.

- Que sejam retiradas consequências do facto de terem sido proferidas publicamente inverdades por parte do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que reforçaram uma narrativa que comprovadamente não corresponde à verdade dos factos.

- Que os detidos no dia 24 de Novembro sejam absolvidos, sendo tido em conta nos seus processos o facto de terem sido detidos de forma ilegal e abusiva por agentes provocadores que, além do mais, incitaram delitos. Expressamos total solidariedade em relação aos companheiros e companheiras detidos nesse dia.

A criminalização da actividade política e da contestação social é um sinal claro dos tempos em que vivemos, em que a Democracia é ameaçada e posta em causa justamente pelo Estado que tem como dever protegê-la. A tentativa de suprimir os acontecimentos históricos que foram a Greve Geral de dia 24 de Novembro e a expressão popular ocorrida na manifestação nesse dia serve de sinal de aviso às forças progressistas. Não permitiremos que vingue a tentativa de fazer com que o medo sufoque a legitimidade das reivindicações populares à dignidade e aos direitos e, como tal, estaremos novamente nas ruas, no final de Janeiro.

Marisa Matias eurodeputada do ano

O excelente trabalho da Marisa no Parlamento Europeu teve um justo reconhecimento ao ter sido galardoada com o prémio de melhor deputado na área da saúde.
A Marisa esteve à frente da aprovação da directiva que combate a falsificação de medicamentos que tem impacto directo nas vidas de milhões de cidadãos europeus. Liderou também a proposta do próximo programa de financiamento para a investigação na Europa, que resultará no 8° Programa Quadro para a Investigação. Além do mais, este trabalho foi realizado em ambiente de grande hostilidade ao BE dentro do Grupo da Esquerda Unitária Europeia, em particular da parte de partidos comunistas europeus que tentaram boicotar, atrapalhar e vilipendiar o trabalho da Marisa. É por estas e por outras que julgo que está na hora do BE se mudar para os Verdes Europeus.

Polícias sob disfarce incitam violência?

Várias testemunhas do ocorrido na manifestação da Greve Geral alegam ter descoberto que alguns dos indivíduos que estavam a incitar a violência contra as autoridades eram afinal agentes policiais sob disfarce, que inclusivamente detiveram vários manifestantes no rescaldo dos conflitos que tomaram lugar.

No blogue 5 Dias existem fotografias que parecem confirmar estes vários relatos. Em particular, o indivíduo que aparece a empurrar a polícia de choque no meio da manifestação aparece depois a meter um manifestante na carrinha da PSP. Vale a pena ver as fotos e divulgar.

Parabéns ao Diário Ateísta

Graças ao esforço diário do Carlos Esperança e intermitente de mais alguns, faz hoje oito anos aquele que será um dos mais antigos blogues populares em língua portuguesa: o Diário Ateísta. A.D.A. (Antes do Diário Ateísta), o ateísmo era invisível e muitos desconheciam que havia portugueses que nutriam pelo catolicismo o mesmo respeito que por outras ideias quaisquer. D.D.A. (Depois do Diário Ateísta), até existe a Associação Ateísta Portuguesa e o ateísmo é muito menos ignorável. Estive lá desde o início e mantenho-me.
  • «Nunca combatemos a pantera cor-de-rosa nem os deuses greco-romanos porque temos a certeza de que já ninguém obriga a prestar-lhes culto, ao contrário do cristianismo e do islamismo que não desistem de converter o mundo às suas superstições. Combatemos igualmente o hinduísmo com o seu sistema de castas e o ódio à viúva que volta a casar bem como o próprio budismo responsável pelo atraso e miséria das regiões onde está implantado. Porque amamos a paz execramos tanto o sionismo como o anti-semitismo.

    As religiões e os seus deuses nada fizeram pelo progresso dos povos e pela felicidade do género humano. Foram sempre um factor de imobilismo e de repressão em luta contra o progresso e a modernidade. É por isso que os redactores do Diário Ateísta respeitam a Declaração Universal dos Direitos do Homem e desprezam os livros que acirram o ódio e fomentam guerras, apesar de haver quem os considere sagrados.

    Não há bem que os crentes façam que não possa ser feito por ateus, agnósticos, cépticos, enfim, livres-pensadores, mas há males que só a crença pode motivar.» (Carlos Esperança)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Extremos climáticos mais prováveis no futuro

(publicado no portal Esquerda.net)

O IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change: Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) lançou esta semana um resumo para decisores políticos baseado num relatório científico sobre fenómenos climáticos extremos a ser publicado em Fevereiro de 2012. Este relatório surge a pedido de um conjunto de chefes de estado de países recentemente afectados por catástrofes naturais fora do comum. O relatório foi elaborado por 220 investigadores de 62 países diferentes, teve 18784 comentários e revisões realizadas pelos melhores especialistas em cada domínio e foi baseado em milhares de artigos científicos publicados nas melhores revistas da especialidade com arbitragem pelos pares.

O relatório estabelece como provável (grau de certeza superior a 60%) o aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos, caso prossiga o aquecimento global do planeta. Classifica-se como muito provável (certeza superior a 90%) que o aumento das emissões de gases de efeito de estufa seja responsável pela maior ocorrência de dias e noites muito quentes e pela diminuição do número de dias e de noites muito frias. Pela mesma razão aumentou a duração média das secas bem como a sua intensidade. Foi classificado como provável (>60% de certeza) que os ciclones tropicais no futuro ocorram menos vezes por ano, no entanto em média estes serão cada vez mais intensos.

No entanto, o IPCC ressalva que os extremos climáticos são fenómenos raros, sobre os quais há menos dados e alguns deles estudados apenas desde há algumas décadas. Outra dificuldade neste trabalho é o facto de alguns destes fenómenos serem muito localizados a certas regiões do mundo, por exemplo os fenómenos climáticos extremos que ocorrem nos pólos são muito diferentes dos que ocorrem nos trópicos. Ilhas, regiões costeiras, regiões montanhosas e periferias urbanas muito recentes construídas em mega-cidades foram identificadas como as zonas onde os fenómenos climáticos extremos têm maior impacto. Estes são também fenómenos de maior complexidade sobre os quais é mais difícil estabelecer com maior certeza os aspectos científicos (física, química, geologia, etc.) que estão na sua origem. Apesar desta ressalva, a probabilidade elevada (> 60%) e os elevados custos económicos e em vidas humanas que comportam estas catástrofes naturais, por precaução, seria desejável que o combate às alterações climáticas prosseguisse com maior determinação.

Islândia

Na Islândia os cidadãos acordaram para a necessidade de participação cívica, de participação política.
A sua capacidade de mobilização foi de tal ordem que impuseram um conjunto de políticas às estruturas partidárias, que, além de mudarem o panorama governativo, forçaram-no a tomar políticas que seguem um rumo oposto ao que está a ser seguido na União Europeia. Com que resultados?

A seguinte notícia da revista I é uma excelente ilustração, e por isso a cito integralmente (negrito meu):

«Em 2008, quando a falência de grandes instituições financeiras dos EUA arrastou bancos e países para crises da dívida pública sem precedentes, a Islândia fazia parte desta lista. Agora, quatro anos passados, o país apresenta ao mundo um crescimento económico notável.

De acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Islândia vai fechar 2011 com um crescimento do PIB de 2,5%, prevendo-se novo crescimento de 2,5% para 2012 – números que representam quase o triplo do crescimento económico de todos os Estados-membros da União Europeia – que em 2011 ficarão pelos 1,6% e que descerão para os 1,1% em 2012. A taxa de desemprego no país vai ainda descer para os 6%, contra os actuais 9,9% da zona euro.

Contra factos não há argumentos e nem as agências de rating conseguem ignorar os efeitos positivos das decisões políticas. "A economia da Islândia está a recuperar das falhas sistemáticas dos seus três maiores bancos e voltou a um crescimento positivo depois de dois anos de contracção severa", disse esta semana a Standard & Poor’s, depois de ter subido o rating do país para BBB/A-3 (a Fitch mantém a Islândia com rating "lixo").

Das consecutivas decisões que o país foi tomando – e que continua a tomar – desde 2008 que não há vítimas a registar, a não ser os banqueiros e políticos que levaram à crise da dívida pública. No rescaldo do colapso financeiro, a população compreendeu rapidamente que também tinha a sua quota parte de culpa na iminente bancarrota e preparou-se para apertar o cinto. Mas não da forma como os Estados-membros da UE o têm feito: consecutiva e sem resultados à vista.

A nacionalização dos três grandes bancos islandeses no rescaldo do seu colapso por pressão popular em 2008 e a queda do governo conservador abriu caminho à recuperação. O país continua a pagar o resgate de 2,1 mil milhões do FMI mas esse valor não impede o crescimento económico, potenciado ainda por medidas como a criação de uma comissão constituinte de cidadãos sem filiação partidária que agora é consultada em quase todas as decisões políticas e pela contínua busca e julgamento dos responsáveis pelo estalar da crise. Resultado: para além dos números já avançados, está previsto um crescimento de 2,7% do PIB islandês em 2013.»

Bem sei que é um país pequeno, e talvez por isso tenha sido mais fácil para as pessoas sentirem que podiam tomar o poder nas mãos. Talvez tenha sido mais fácil a mobilização política por essa razão.

Mas, além das barreiras psicológicas, nada impede a mesma mobilização noutros países. Sendo parte da União Europeia, a política dos estados membros está mais condicionada pelos diferentes acordos internacionais estabelecidos, mas é bastante claro que a participação política dos cidadãos ajuda a encontrar os melhores caminhos por entre os condicionalismos existentes. A consequência natural de eleitores informados e participantes é um conjunto de políticos mais capazes e honestos.

Em Portugal sinto que ainda há muita gente a dormir. Muitas pessoas sentem que não é com elas, mas depois pode ser tarde de mais...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Europeístas, pelo euro, contra a austeridade e por outros poderes europeus

Curiosa, esta sondagem. Segundo os resultados, 70% dos portugueses consideram-se «cidadãos europeus», 74% defendem que Portugal deverá continuar no euro (20% pela saída), 52.5% estão contra as «políticas de austeridade da UE» (36.5% a favor), e 54% acham que os «actuais poderes da UE (...) não são adequados para lidar com a crise» (33% ainda acham que sim).

Portanto, uma grande maioria dos portugueses (ainda) será europeísta, enquanto cerca de metade estão contra a UE realmente existente.

Uma câmara em cada esquina

É um silencioso mas determinado passo rumo ao Estado policial: o governo que infiltra paisanos nas manifestações aprovou o uso generalizado de câmaras de videovigilância nos espaços públicos. O que até agora era tentado pelas câmaras municipais e travado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, será com este «liberalíssimo» governo decidido pelas polícias (pelas polícias, note-se bem) sem que a Comissão as aborreça.

Numa apropriada demonstração de duplipensar, o responsável político por esta lei de invasão de privacidade deseja que a prática de filmar pacatos cidadão na rua seja conhecida como «vídeo protecção» e não como «videovigilância». E agita o espantalho do «terrorismo» (ainda e sempre o terrorismo). O secretário de Estado chama-se Filipe Lobo d´Ávila, merece uma medalha da Eurásia, e é do mesmo partido de um certo Paulo Portas que já defendeu videovigilância, perdão, vídeo protecção nos bairros sociais.

P.S. Os protestos dos pseudo-liberais devem estar a sair a qualquer momento.

P.P.S. (No Blasfémias, Gabriel Silva já se tinha pronunciado.) -> Acrescento posterior.

Fado, canção republicana e de esquerda

O Fado, segundo a UNESCO, é «património imaterial da humanidade». Celebremos esta canção republicana e de esquerda.

Vive pobre, o pobre op´rário», via Almanaque Republicano.)

Fado Republicano» - Vitorino; via Almanaque Republicano.)

domingo, 27 de novembro de 2011

Sabe a diferença entre bater numa Mulher e bater numa bateria?



A propósito do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, partilho este video que encontrei no youtube e lança um alerta contra todos aqueles que fogem à obrigação de denunciar os casos de que têm conhecimento. Essa omissão pode resultar em morte.

sábado, 26 de novembro de 2011

25 de Novembro pela Eliminação da Violência contra as Mulheres

O dia 25 de Novembro é desde 1999, o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

O Observatório de Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta, registou até ao dia 11 de Novembro e no ano 2011, um total de 23 (vinte e três) mulheres assassinadas no contexto da conjugalidade e das relações de intimidade.

Figura retirada do  relatório de dados preliminares (11 de Novembro de 2011) do OMA.

E depois ainda há quem diga mal da polícia...

Este comunicado do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícias é mau demais para acreditar. Quando toda a gente discute o uso de polícias ou «secretitos» infiltrados nas manifestações, eles dizem que os infiltrados são os outros.
  • «Ontem (quinta-feira) houve incidentes que parecem apontar para um agravamento dos comportamentos mais violentos, agressivos e mais incorretos por parte de alguns indivíduos que integram e se infiltram nestas manifestação para provocar as forças de segurança e para colocar em causa a autoridade do Estado» (Diário Digital).

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Começam a acontecer coisas estranhas



Vi este filme pela primeira vez na Jugular. É confuso: há um indivíduo a ser espancado contra uma porta, depois um dos que o atacam puxa de um bastão e agride-o com violência. Nenhum dos envolvidos usa uniforme. No final, chega a polícia e o do bastão não é incomodado, enquanto o indivíduo espancado é detido.

Há um relato complementar no Facebook. Afirma-se que os agressores são polícias à paisana, e que o detido seria espanhol. E estes acontecimentos dão-se durante a (tentativa de) invasão das escadarias do Parlamento.

Há aqui duas ordens de questões a colocar. Primeira: como se deu o início da violência, e qual a razão para a detenção? O filme não esclarece o que se teria passado anteriormente. E a violência, do ângulo em que foi filmada, parece excessiva. Segunda questão: a PSP (e/ou o SIS) infiltram paisanos nas manifestações, como se prova no vídeo (e já tinha acontecido). Serão aqueles que gritam mais? Os que incitam à ilegalidade e à violência e depois sacam do bastão e agridem aqueles que se deixaram entusiasmar? Não será ilegal, mas é completamente imoral. E vai gerar reacções em sentido contrário, cedo ou tarde.

Extremos há muitos

Não sei como alguém pode responsabilizar os anarquistas pelos pueris ataques de ontem a repartições de finanças. Que eu saiba, o extremismo de direita, principalmente o de extracção «neoliberal», é que fomenta o populismo anti-fiscal (género «todos os impostos são roubo»). Se os ataques tivessem partido de extremistas de esquerda, o lógico teria sido atacar agências bancárias (a começar pelas do BPN).

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

E uma greve geral europeia?

O europeísmo prometeu um «espaço comum europeu». A União Europeia seria uma única comunidade política, democrática e soberana. Criar-se-ia (por geração espontânea?) um demos de novo tipo. À época, os «eurocépticos» duvidaram e foram vilipendiados. Vê-se agora que tinham razão.

Nunca existiu sequer uma agora europeia. Instituições comuns, só mesmo as da UE. Passado partilhado, o das lutas fratricidas e das rivalidades. É difícil, concediam os europeístas, mas diziam que o tempo ou uma crise poderiam finalmente criar um sentir comum.

Passou-se o tempo, e a crise demonstra o contrário: os egoísmos nacionais são mais evidentes do que nunca. E os cidadãos de cada Estado (nem o mais iludido dos europeístas persiste em falar em «cidadãos europeus») viram-se para os governos nacionais.

Num momento em que há intervenções do FMI em três(*) países da UE, e mais dois países em lista de espera, a greve geral de hoje foi apenas nacional. E ninguém estranhou. Porque realmente não faria sentido. Os trabalhadores da Alemanha não farão greve em solidariedade connosco. Nem sequer os da Grécia, desconfio eu.

O europeísmo foi uma ilusão. O acordar pode ser muito mau.

(*) Na realidade são seis. Correcção do Rui Curado Silva na caixa de comentários.

O capitalismo falhou


(Foto de Jim Hubbard ©Bettmann/CORBIS)

Convém admiti-lo, falhou o modelo do capitalismo financeiro tal como o imaginaram Thatcher, Reagan e Milton Friedman. A ideia de que os mercados se auto-regulam e que a mão invisível do mercado age tendencialmente em benefício da sociedade, é uma ficção. A economia é uma ciência complexa que engloba tanto a matemática avançada da engenharia financeira como as inúmeras incertezas associadas à actividade humana. Crer que um sistema tão complexo se auto-regula é pura profissão de fé, sobretudo numa economia globalizada onde se movimenta à velocidade de um clique, de um lado para o outro do planeta, quantias inimagináveis para o cidadão comum. No fundo é o reverso da medalha da fé comunista na economia planificada da URSS.

Hoje o mapa mundo das dívidas públicas e privadas é chocante e é o resultado da substituição dos bancos centrais pelos bancos privados no financiamento da economia. O Japão e o Reino Unido apresentam dívidas (pública+privada) acima dos 450% do PIB. A Coreia do Sul, Espanha, Suiça, Itália, Portugal, os EUA, França, Canadá e a Alemanha com dívidas entre os 250% e os 350% do PIB. Inclusivamente países emergentes com forte crescimento como é a China, o Brasil e a Índia, apresentam dívidas da ordem dos 150% do PIB. Nos media, já nem se fala dos "mortos", dos países que se afundaram totalmente como a Islândia ou a Hungria que pediu ontem a sua segunda ajuda ao FMI num período de três anos. Mas a dívido-dependência vem amarrada a outra crença do capitalismo financeiro, é a do crescimento eterno. Se o Universo fosse plano e infinito, cheio de minérios e de árvores de fruto e se cada ser humano pudesse engordar toneladas atrás de toneladas, a religião do crescimento eterno até poderia ter alguma consistência. Mas, o nosso planetazinho é finito e o homo sapiens não aguenta consumir dezenas de quilos de bodegas por dia para salvar a economia.

É precisa uma outra economia que conviva bem com o crescimento e com a falta dele, que não seja dependente da predação egoísta dos escassos recursos planetários por apenas duas ou três gerações de gananciosos e é precisa uma regulação forte, de "braços longos", internacional, que atravesse fronteiras à mesma velocidade que o crime financeiro. Estamos a precisar de uma espécie de Green New Deal à escala planetária, se não quisermos ser odiados pelas próximas gerações.

Hoje somos todos bonecos argentinos!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Feriados para todos

O efeito económico de reduzir feriados é duvidoso, mas é o equivalente passista de uma causa fracturante.

É duvidoso porque, entre mais dias de trabalho de um lado e menos dias de repouso motivante e consumo extraordinário do outro, a relevância do impacto na produtividade é imprevisível.

É uma fonte de divisão porque evidencia as fracturas entre laicos e clérigos, democratas e salazaristas, republicanos e tradicionalistas, esquerda e direita.

Assumo que todas essas dicotomias me interessam. E, no fundamental, o regime ainda é uma república (5 de Outubro) e uma democracia (25 de Abril). Todavia, enquanto durar o troikismo, é absurdo assinalar a restauração da independência, e o fim desse resquício fascista que é o 10 de Junho seria um alívio, com o bónus de nos poupar aos discursos bacocos do António Barreto.

Quanto aos feriados religiosos, a minoria católica praticante deve festejá-los como entender – mas tenho a fundada suspeita de que a vasta maioria, que não sabe (nem quer saber) como se celebra o corpo de quem não tem corpo ou a “ressurreição” de um imortal, preferiria mais quatro ou cinco dias de férias à sua escolha. Assim todos teríamos feriados: os católicos nos dias que a sua igreja escolhesse e os outros nos dias que cada um escolhesse. Sem imposições, que a ICAR não se mete em política e não impõe feriados. Acho eu.

Pontos e vírgulas num manifesto

A social-democracia europeia, atada de pés e mãos pelos sacrossantos «critérios de Maastricht» e adormecida pelas «terceiras vias», renunciou nas duas últimas décadas a enfrentar decisivamente a escalada das oligarquias financeiras. Poucos destoaram, e nesses poucos deve destacar-se Manuel Alegre. É significativo e positivo que Mário Soares, rodeado por outras figuras do PS, acorde agora para o que está a acontecer. Mais vale tarde do que nunca.

No Manifesto hoje divulgado, denuncia-se «a imposição da política de privatizações a efectuar num calendário adverso e que não percebe que certas empresas públicas têm uma importância estratégica fundamental para a soberania (...) o recuo civilizacional na prestação de serviços públicos essenciais, em particular na saúde, educação, protecção social e dignidade no trabalho». Está certíssimo. Mas já se esboça um programa da esquerda democrática para sair da crise, que passa pela promoção do crescimento económico (e re-industrialização da Europa), emissão de dívida pelo BCE e imposição da taxa Tobin. O Manifesto é omisso quanto a essas soluções. Aliás, é completamente omisso quanto a soluções. Embora Mário Soares seja muito pertinente, por exemplo, quando pede uma União Europeia que seja uma «associação voluntária de Estados iguais»: os Estados ditos «periféricos» têm que abandonar a sua subordinação ao merkozismo.

Finalmente, não posso deixar de considerar lamentável a evocação da «Igreja» como ponto de apoio. Reconhecer autoridade política, num momento de crise económica, à «Igreja» (citada assim, como se só houvesse uma, a católica e mais nenhuma) é conferir-lhe legitimidade para outras intervenções no futuro. Vale a pena?

Feroz ataque à Constituição da República

A TSF relata:

«A oposição na Madeira entende que o PSD violou a Constituição ao mudar o regimento da assembleia regional, permitindo que um deputado possa votar por outros.

Em causa está a possibilidade de um único deputado da maioria poder votar pelos outros 24 nos casos de requerimentos, recursos e votos em plenário, ou seja, votos de pesar, saudação e outros. A regra não é válida se estiverem em causa diplomas apresentados pela oposição.»

É amanhã

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Plano para destruir o movimento «Occupy Wall Street»

No meu texto anterior escrevi sobre a forma como o poder do dinheiro pode condicionar o debate público.

Eis que tomo conhecimento do mais perfeito exemplo desta realidade: uma firma de Lobbying propõe um plano com um custo de 850 000 dólares, prometendo condicionar o debate público em desfavor deste movimento.

Geralmente a influência do dinheiro no debate público é mais indirecta ou subtil, mas neste caso é perfeitamente clara: se quiserem pagar, determinada ideia é promovida no espaço público, com todas as implicações políticas consequentes.

Sentido de humor

O Papa ameaçou a Benetton com processos judiciais (porque não com o Inferno?) e a Benetton retirou o poster "UnHate" em que o papa se reconciliava com um outro portavoz do Céu qualquer. Acho que é pena, porque a campanha era divertidíssima e incluía um vídeo com pessoas aos beijos. Todo o tipo de pessoas. O lema era "UnHate" ou "DesOdiar". Uma ideia indecente, já se vê.

O Monde tem hoje uma história sobre 15 incidentes de violência religiosa contra intelectuais e artistas que dá uma boa ideia da intolerância e da estupidez imprescindíveis à condição dos integristas. Esqueceram-se, e é pena, do despedimento de Siné por ter feito uma piada com judeus.

Dia de Portugal e das Lendas Portuguesas

Nesta discussão dos feriados o Tiago Mendes propõe-nos o Dia da Fundação, acrescenta o Tiago "Este novo feriado - que poderia também ser o "Dia de Portugal" - seria comemorado a 5 de Outubro, celebrando a assinatura do Tratado de Zamora (1143 - a bandeira supra é a então vigente)". Quando li "Tratado de Zamora" e apreciei a bandeira "vigente", percebi logo o cuidado com que tinha sido elaborada a proposta. Foi à velocidade de um clique que o Tiago copiou a bandeira na entrada da wikipedia sobre o "Tratado de Zamora", onde se fala inclusivamente da lendária Batalha de Ourique como se esta tivesse realmente ocorrido.

Não existe qualquer registo de um Tratado de Zamora em 1143, bem como a independência de Portugal não tem data marcada. Fomo-nos tornando independentes entre 1128 (Batalha de São Mamede) e 1173 (Bula Manifestis Probatum). Tal como se lê nesta clarificadora entrada do João Cardoso, existiam documentos anteriores ao Acordo de Zamora em que Afonso Henriques era designado como Rei de Portugal (1132, 1135 e 1139). Também a sua mãe é designada rainha em vários documentos descrevendo a sua época. A bandeira da entrada da wikipedia não é a vigente na época, nem sequer é certo se havia UMA bandeira.

O que mais irrita neste tipo de propostas não é a forma velada com que se tenta apagar o 25 de Abril. O que irrita é a propagação de lendas que até 1974 constavam dos textos escolares como verdades sagradas, a Batalha de Ourique, Guimarães cidade berço, o Tratado de Zamora, o entalanço do Martim Moniz, etc., numa época em que os meios de comunicação são sofisticadíssimos e existe abundante literatura actualizada sobre a história de Portugal ("Dicionário de História de Portugal" de Joel Serrão, "D. Afonso Henriques" de José Mattoso e "O essencial sobre a Formação da Nacionalidade" de José Mattoso).

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A paz compensa - até para os terroristas

Após as eleições espanholas de ontem, todos os grandes e médios Estados da União Europeia ficam entregues a governos de direita. E na «eurolândia», os governos «de esquerda» estão restritos a micro-Estados: Áustria, Eslovénia e Chipre. Várias constatações: o euro instalou uma mecânica política adversa à esquerda; os sociais-democratas são penalizados por não terem evitado a crise; e a «esquerda radical» não pesa. Infelizmente, nada de novo.

Mas, para além da vitória de Rajoy, estas eleições espanholas ficam marcadas pelo regresso do Batasuna, agora chamado Amaiur. Por decisão própria ou impedimento legal, já não concorriam há quinze anos. Tiveram agora o dobro dos votos (24%) do que tinham quando a ETA matava nas ruas.

Repete-se o que aconteceu na Irlanda do Norte quando o Sinn Féin subiu eleitoralmente depois de ter feito a paz. Alguns dos que celebram os resultados dos independentistas bascos parecem não ter aprendido esta lição crucial: a violência, enquanto existiu, prejudicou a causa independentista.

Empreendedorismo em Portugal - as mentiras e os factos

Todos conhecemos a tese: em Portugal o estado é omnipresente, estabelece uma infinidade de leis que pretendem regulamentar cada detalhe de qualquer negócio, e em consequência cria inúmeras dificuldades aos empreendedores. É por isso que que existe muito pouco empreendedorismo em Portugal. Essa é, aliás, uma das causas do nosso atraso: a falta de empreendedores, que resulta de uma legislação e de um conjunto de políticas que dificultam a criação de novos negócios.
Por isso, todos querem trabalhar por conta de outrem, por isso é que os gestores têm salários tão acima dos trabalhadores, por causa da falta de empreendedores é que existem tantas desigualdades. Quem se queixa dessas desigualdades deveria sim criar o seu negócio.

Por muitos erros que identificasse neste discurso, sempre acreditei que haveria pelo menos uma réstia de verdade. Pelo menos, sempre acreditei que em Portugal existissem mais trabalhadores por conta de outrem que na generalidade dos países desenvolvidos. E que existisse uma correlação positiva entre as políticas associadas ao liberalismo de direita e a taxa de trabalhadores por conta própria (empreendedores).

Fiquei estarrecido ao ler este excelente texto do Miguel Madeira, que suscitou em mim alguma curiosidade. Tinha de encontrar os dados a que ele se refere.

Este texto, também do Miguel Madeira, apresenta dados da OCDE (no que diz respeito à taxa de trabalhadores por conta própria), e da Heritage Foundation (no que diz respeito à «Liberdade Económica» - em que medida são seguidas as medidas preconizadas pelos liberais de direita), que aqui reproduzo:



Auto-
emprego
"Liberdade Económica"
Australia 12,6 82,7
Austria 11,8 71,3
Belgium 13,6 74,5
Canada 9,2 78,7
Czech Republic 15,3 69,7
Denmark 7,8 77,6
Finland 12 76,5
France 8,9 66,1
Germany 11,2 73,5
Greece 30,1 57,6
Hungary 13,3 66,2
Iceland 14,1 77,1
Ireland 16,6 81,3
Italy 24,9 63,4
Japan 10,2 73,6
Korea 27 68,6
Luxembourg 6,5 79,3
Mexico 28,5 65,8
Netherlands 11,1 77,1
New Zealand 17,8 81,6
Norway 7,1 70,1
Poland 20,4 58,8
Portugal 23,5 66,7
Slovak Republic 12,6 68,4
Spain 16,5 70,9
Sweden 9,6 72,6
Switzerland 9,3 79,1
Turkey 29,1 59,3
United Kingdom 12,7 81,6
United States 7,3 82



E não é que Portugal é o quarto país da OCDE com mais «empreendedores», apenas ultrapassado pelo México, pela Turquia e pela Grécia? Sim, leram bem: a Grécia é o único país da UE com mais empreendedores que nós.
E os Estados Unidos da América, símbolo de uma nação rica que dá lições à Europa no que diz respeito à promoção do empreendedorismo, são o terceiro país da OCDE com menos empreendedores. Têm uma taxa de trabalhadores por conta própria cerca de três vezes menor que a portuguesa.

Na verdade, a correlação entre o índice da Heritage Foundation para a «liberdade económica» e a proporção de empreendedores na população é negativa.

Como é possível que todo o debate público esteja contaminado por uma percepção tão desadequada da realidade? Como é possível que o facto de Portugal ser dos países desenvolvidos com mais empreendedores - em proporção temos uma quantidade superior ao triplo da que existe nos EUA - tenha passado despercebido, sendo o discurso sempre no sentido de culpar a falta de «empreendedorismo» por quase todos os nossos males?

Tal enviesamento, a meu ver, só encontra explicação no poder que o dinheiro tem para condicionar o debate público. Para este problema só existe uma resposta: espírito crítico.

«Já não há crucifixos nas escolas públicas portuguesas»

Alguns laicistas têm propagado o rumor de que há escolas públicas portuguesas onde ainda existem crucifixos afixados. Como comprovou o Público na edição de ontem (ver a fotografia acima), é um rumor sem qualquer fundamento.

domingo, 20 de novembro de 2011

As pessoas de direita só bebem água privada

Mais especificamente: os deputados da maioria só aceitarão consumir água da torneira depois de esta ter sido convenientemente privatizada, como eles desejam. A direita sempre teve problemas em consumir água pública: já se sabe desde o "Dr. Estranhoamor".

Esta é a minha resposta à interessante crónica de Ricardo Garcia no Público, que transcrevo aqui:

sábado, 19 de novembro de 2011

E a ignorância dos professores e dos jornalistas, pá?

Anda tudo por aí muito indignado com um vídeo da revista "Sábado" (a tal onde escrevem Pacheco Pereira, Nuno Rogeiro e Alberto Gonçalves) que supostamente "demonstra" a suposta "ignorância" dos nossos estudantes universitários. A amostra de resposta é evidentemente tendenciosíssima, e só visa "confirmar" a tese que a revista quer demonstrar, só se tendo selecionado as respostas erradas, como é denunciado no Facebook por um dos alunos visados. Perante isto, só se surpreende quem quer. Mas eu pergunto: e com os jornalistas que perguntam "qual é o símbolo químico da água", ignorando que a água não é um elemento e, portanto, não tem símbolo químico, ninguém se indigna? Se fizessem um teste semelhante aos jornalistas da Sábado, com perguntas que não fossem escolhidas por eles, acham que as respostas seriam assim tão diferentes? E se fizessem um teste semelhante aos professores do secundário? Os "Homens da Luta" já o fizeram: experimentem verificar o resultado!



A este respeito vale a pena ler "Essa mania de criticar...", pelo Luís Cruz-Filipe.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Grécia: subida dos extremos?

Tem faltado à crise actual um elemento para duvidar seriamente do futuro da democracia na Europa: a subida dos partidos dos extremos.

Na Grécia, no momento em que o governo dos tecnocratas tomou posse, a «esquerda radical» tem realmente uma subida assinalável: atinge os cerca de 34% de intenções de voto numa sondagem. É muito (para a Grécia, não o seria para o Chipre), e reflecte principalmente o descrédito do PASOK, que cai para 19.5% (-24% relativamente às eleições de 2009). Como, ainda mais do que em Portugal, os partidos à sua esquerda estão muito divididos (quatro facções: comunistas, BE em grego, dissidentes do BE e ecologistas), o PASOK, de qualquer modo, permaneceria o segundo maior partido se se realizassem eleições.

Significativamente, a mesma sondagem dá uma queda aos conservadores (28.5%, -5%), presumivelmente a favor da extrema-direita (8.5%, +3%).

Tudo isto mostra, no país mais avançado na crise, um emagrecimento dos partidos do «bloco central». Mas não mostra uma alternativa a formar-se.

Tudo é permitido

Há dez anos que descobri, na blogosfera e em revistas obscuras, uma estirpe de liberais que defendem que o Estado não pode ter a mínima interferência nos salários do sector privado, não podendo, sequer, fixar o salário mínimo.

Ora, no mundo às avessas em que vivemos desde a invasão troiquista, tudo é possível. Até a tróica ordenar a redução dos salários no privado (vão publicar uma lei, é?), e os neo-ultra-mega-hiper-liberais nem sequer pestanejarem.

Enfim, se não pestanejam agora é porque não pestanejarão quando um dia um governo de esquerda pós-tróiquismo limitar os salários dos gestores e banqueiros (incluindo os privados), por decreto-lei, e a seguir limitar os dividendos da banca. Vai ser um festim...

Democracia e Aristocracia - III

Se desde as últimas décadas para cá têm ocorrido tão significativas mudanças sociais e tecnológicas, seria bizarro que nenhuma delas tivesse qualquer impacto no equilíbrio entre a componente democrática e aristocrática adequado ao regime de Democracia Representativa.

Por um lado, as mudanças tecnológicas vieram no sentido de tornar mais fácil aferir a vontade popular, mais fácil a participação política, mais fácil o reforço da participação dos cidadãos, e consequentemente do exercício da componente Democrática do sistema.

Por outro lado, uma das mudanças sociais mais significativas nas últimas décadas foi o significativo aumento da instrução: desde a diminuição do analfabetismo até ao aumento do acesso à informação, os erros por «ignorância» numa decisão colectiva poderiam potencialmente ser menos frequentes e danosos.

Mas a estas mudanças correspondem riscos. Se o poder dos cidadãos não é reforçado, apesar da possibilidade logística de o reforçar e da maior instrução dos mesmos, corre-se o risco de criar um terreno fértil para o cinismo e o descrédito no sistema, que conduzirá a um maior alheamento da realidade política, menos investimento pessoal nas acções e decisões, levando a um menor controlo sobre a «classe política» e portanto a uma pior qualidade da mesma. Este agravar da qualidade da «classe política» acentua o descrédito e o cinismo, e está aí a receita para um ciclo vicioso que conduz a um cada vez maior alheamento, e uma classe política progressivamente mais disposta a cometer erros por «parte interessada» - e a fazer com que sejamos governados pelos interesses económicos capazes de perverter o sistema através da corrupção dos representantes dos cidadãos, e não pelos eleitores.

Muitos têm feito este diagnóstico, e encontrado em várias propostas de Democracia Directa - eliminando por completo a Democracia Representativa - a resposta para este problema.

Não é essa a minha posição. A meu ver, embora no sentido certo, esta é uma forma demasiado radical de reagir ao problema, pois parece ignorar por completo a existência de erros por «ignorância», com tudo o que eles podem implicar.

É preciso também esclarecer que a minha posição está longe de ser absoluta. Se me for apresentada uma proposta que pareça resolver estes problemas, e se esta for uma proposta que responda às diferentes críticas, facilmente mudarei a minha posição. Um sistema puramente democrático tem para mim um apelo estético significativo.

No entanto, estou convencido do seguinte:

a) Na generalidade dos países ricos (os únicos cuja realidade política e social conheço adequadamente) - e em Portugal em particular - um reforço significativo dos sistemas de participação democrática irá tornar a Democracia mais saudável, invertendo o ciclo vicioso que leva ao cinismo e alienação por parte dos eleitores, e corrupção e imoralidade por parte de alguns dos seus representantes.

b) O sistema de Democracia Representativa nos precisos contornos em que existe não pode ser encarada de forma acrítica pelos cidadãos, como um «tabu» que não pode ser questionado, mas sim aceite passivamente. Pelo contrário, o desenho institucional associado ao exercício do poder pode e deve ser discutido pelos cidadãos, merecendo a reflexão alargada adequada à importância do tema.

Os cidadãos têm o dever de reflectir sobre qual a Democracia que querem. Essa reflexão não pode ser deixada exclusivamente para aqueles que exercem a política de forma profissional.

Leitura recomendada ao primeiro-ministro

Recomendo ao primeiro-ministro, em honrosa campanha de estende-mão em Angola, a leitura desta obra de Rafael Marques. Chama-se "Diamantes de Sangue" (Tinta da China, 2011) e a sinopse narra o seguinte:

"[Rafael Marques] é um dos principais responsáveis por denunciar e divulgar os esquemas de corrupção que envolvem as mais altas esferas do poder em Angola, bem como as empresas e entidades estrangeiras que com ele negoceiam. Na região do Cuango, a situação é trágica. Para benefício dos que exploram os diamantes, as populações são mantidas em condições de quase escravatura, sendo torturadas, assassinadas, roubadas e impedidas de manter quaisquer actividades de auto-subsistência. As autoridades e o governo ignoram os crimes, as forças armadas e policiais são não só coniventes como também protagonistas desses crimes."

Há cerca de 10 anos Bernard-Henri Lévy em "Réflexions dur la Guerre" denunciava a exploração de diamantes nas mesmas regiões, a mesma violência e a mesma tortura, mas curiosamente perpetrada em estreita colaboração entre os homens da UNITA e MPLA, que dividiam irmanmente as margens dos rios ricos em diamantes, embebedavam-se juntos e frequentavam os mesmos bordéis. Entretanto o dinheiro conseguido com a venda desses diamantes era usado para comprar armas distribuídas no resto do país para se matarem uns aos outros.

Isto fica bem ao "Obama de Massamá" e a um ministro dos negócios estrangeiros acabadinho de chegar da Venezuela. Para onde irá estender a mão a seguir? Arábia Saudita? Coreia do Norte? China?...

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Anders Breivik: um louco isolado?

Após o choque inicial e 15 minutos mediáticos, o ataque de Oslo e o massacre de Utoya foram quase esquecidos, debaixo da tranquilizadora noção de que Anders Breivik seria um louco isolado. Mas, por confortável que seja distanciarmo-nos de um terrorista remetendo-o ao foro psiquiátrico, a realidade é mais perturbadora. Dificilmente um genuíno doente mental teria conseguido planear durante anos, fria e habilmente, o terceiro pior ataque terrorista em solo europeu desde 1945 (apenas ultrapassado pelos atentados de Atocha em 2004 e Bolonha em 1980). Monstro será. Louco não.

E Breivik também não está isolado. As suas ideias entroncam na teoria do "choque de civilizações", que dominaram o discurso jornalístico e académico desde outro inesperado atentado, dez anos antes, em Nova Iorque. Descontada a apologia da violência civil, o seu extremismo indigenista é comum a muitos movimentos xenófobos e personalidades políticas que detêm 10% a 25% dos votos, da Noruega à França dos Le Pen, passando pelo holandês Wilders.

Na violência confirmou-se esta semana que também não está sozinho, ao descobrir-se na Alemanha uma rede neo-nazi responsável por dez homicídios. Significativamente, os serviços secretos conheciam-nos mas não os incomodavam, obcecados que estavam com os estrangeiros islamitas.

Tome nota: em 2011 o terrorismo na Europa mudou.

"Liberal Social", dizem eles

O Movimento "Liberal Social" (já o nome revela uma curiosa contradição de termos) promove amanhã, num hotel de Lisboa, um encontro subordinado ao tema "Direitos Individuais na Europa". O painel de oradores reflete a enorme disparidade já patente no nome do referido movimento, indo desde o monárquico José Adelino Maltez ao laicista italiano Giulio Ercolessi. O namoro à esquerda das "causas fraturantes" (as únicas causas geralmente apoiadas pelos partidos de esquerda que interessam ao movimento) é evidente: João Semedo, do Bloco de Esquerda, fala sobre eutanásia; Elza Pais, do PS, fala de políticas de igualdade de género; evidentemente o PCP não vai lá fazer nada, e só lhe fica bem lá não estar.

Tal namoro à esquerda reflete-se sobretudo no facto de os convidados de esquerda serem membros partidários com responsabilidades, de forma a serem identificados explicitamente dessa forma: como membros de partidos de esquerda. Já os oradores de direita, como Maltez, são "independentes" e apresentados desta forma. É também o caso do "antiproibicionista" António Elói, que no passado dia 26 de Outubro, em artigo no Público, defendia a privatização das águas, "argumentando" que só por "radicalismo ideológico" se poderia recusar esta opção (e os "argumentos" de Elói são o quê senão radicalismo ideológico?). No mesmo artigo o autor teve ainda o desplante de afirmar que só a privatização da EDP impediu a utilização de energia nuclear em Portugal.

Na mesma linha, e mais importante, não é referido que nas últimas eleições o movimento organizador recomendou explicitamente o voto no PSD. À esquerda que se deixe enganar por estes "namoros" eu respondo como no conhecido conto: quem não os conhecer que os compre.

Resta concluir que, no anúncio do evento no Facebook, evento que tem lugar em Sete Rios, talvez a zona em todo o país melhor servida de transportes públicos (metro, autocarros urbanos, suburbanos e de longo curso, comboios suburbanos, regionais e de longo curso), é assegurado aos participantes o estacionamento mediante o pagamento de uma quantia. Não existe maior símbolo de liberdade individual que o transporte privado, pelo que é natural que o estacionamento seja a maior preocupação de um liberal.

Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública

Uma excelente iniciativa que merece ser divulgada. Cito parcialmente o texto da convocatória:

«Conhecer a dívida pública é, não só um direito, como uma etapa essencial para delinear estratégias de futuro para o país. Porque nem sempre todas as parcelas de uma dívida correspondem efectivamente a compromissos do Estado e nem sempre estes são legítimos. Numa auditoria à dívida, verificam-se os compromissos assumidos por um devedor, tendo em conta a sua origem, legitimidade, legalidade e sustentabilidade. Uma auditoria à dívida pública faz essa análise relativamente aos compromissos do sector público perante credores dentro e fora do país, incluindo a dívida privada garantida pelo Estado.

[...]

No final da intervenção da troika, Portugal terá uma dívida pública maior e estará mais pobre. Pelo caminho terá ficado um rasto de destruição e regressão social: serviços públicos desmantelados, sector público produtivo reduzido a nada, desemprego e compressão dos salários, famílias em bancarrota. Reconhecer-se-á então que a dívida pública é insuportável e que os sacrifícios foram inúteis, tendo servido apenas para agravar os problemas que prometiam resolver, levando o país a um declínio sem fim à vista.

Consideramos que é possível, urgente e essencial evitar este cenário. Para isso, a questão da dívida deve ser encarada de um ponto de vista realista, compatível com a salvaguarda de valores e direitos humanos fundamentais universalmente reconhecidos.

É preciso reconhecer e fazer reconhecer que a dívida pública é apenas um dos múltiplos compromissos do Estado português. Além das suas obrigações contratuais junto dos credores, o Estado tem deveres inalienáveis para com todos os cidadãos, quer das gerações presentes, quer das gerações futuras. O Estado português tem de ser o garante de direitos sociais fundamentais consagrados na Constituição e no direito internacional, direitos esses que têm precedência sobre todos os outros. Fazer prevalecer os direitos dos credores é ilegítimo não só do ponto de vista moral como do ponto de vista jurídico.»

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Diziam que eram liberais e contra a intervenção do Estado na Comunicação Social

  • «A bem da Nação”, a informação emitida pela RTP Internacional deve ser “filtrada” e “trabalhada” pelo Governo, defendeu João Duque, nesta terça-feira de manhã. Um tratamento que, acrescentou, “não deve ser questionado”.» (Público)
  • «“A promoção de Portugal através da imagem ou do som deve ser enquadrada numa visão de política externa”, disse o economista, líder do grupo de trabalho para a definição do serviço público que sugeriu que a RTP Internacional passe a emitir sob orientação do Governo.» (idem)

O polvo da Goldman Sachs abraça a Europa

Mario Draghi, Mario Monti e Lucas Papadémos, respectivamente o Presidente do BCE, o novo Presidente do Conselho Italiano e o novo Primeiro Ministro Grego, tiveram muito recentemente ligações importantes com a Goldman Sachs, umas mais institucionais outras mais informais. Mario Draghi foi vice-presidente da Goldman Sachs Europa entre 2002 e 2005. Uma das suas tarefas era vender o produto financeiro swap que permite esconder parte da dívida soberana e que foi muito utilizado pelo governo grego. Mario Monti é conselheiro internacional da firma desde 2005 e Lucas Papadémos foi governador do Banco Central Grego entre 1994 e 2002, participando amplamente na aldrabice das contas gregas em conjunto com a Goldman Sachs. Quem gere a dívida grega é Petros Christodoulos, um antigo trader da mesma Goldman Sachs.

Quando se refere que as oligarquias financeiras estão a mandar nos destinos dos países é disto que se está a falar e como se prova não é exagero nenhum.
No que nos toca, o governo português e os nossos representantes no parlamento europeu deveriam exigir já a substituição de Mário Draghi.

Democracia e Aristocracia - II

Aparte das questões de liberdade e poder, qual é o regime político que servirá melhor o bem comum (contribuirá para a máxima prosperidade, equidade, menor criminalidade e violência, etc)?

Para fazer esta avaliação importa dividir os erros que um governo (ou classe governante) pode cometer em dois tipos: erros por «ignorância», e erros por «parte interessada». Por sua vez, é possível dividir cada uma destas categorias:

Erros por «ignorância» são erros em que a decisão é desfavorável para os governados não porque os decisores tenham tentado tirar partido dos primeiros, mas sim porque não foram capazes de identificar a melhor decisão possível.

Isto pode acontecer por duas razões: ou um pequeno grupo dentro dos decisores identificou aquilo que mais lhes convinha, e - sabendo que não convinha à generalidade dos outros decisores ou governados - foi capaz de os persuadir e enganar; ou ninguém tentando enganar ninguém, a decisão colectiva prevalecente simplesmente não é a que mais convém aos decisores ou governados, mas é adoptada, fundamentalmente por equívoco.

Erros por «parte interessada» são erros em que a decisão é desfavorável para os governados, mas favorável para os decisores. Novamente, ela pode ser de dois tipos: ou há má fé assumida e explícita, onde os decisores não sentem qualquer empatia pelos governados, e assumem claramente que aquilo que estão a fazer não é no melhor interesse destes, mas sim no seu; ou existe um enviesamento cognitivo no qual os decisores acreditam que a decisão que tomaram é no melhor interesse dos governados, mas o seu juízo está toldado pois quando existe um conflito de interesses é difícil ser um juiz rigoroso em causa própria.

Que tipo de sistema governativo minimiza cada um destes erros?

Os erros por «ignorância» são minimizados por um sistema aristocrático. Se os decisores tiverem tempo para estudar aprofundadamente as consequências de cada decisão (por exemplo, não tendo outra profissão que não essa), se dominarem as questões técnicas que possam estar envolvidas (de direito, de economia, de sociologia, etc.), se tiverem um conhecimento aprofundado de história, de filosofia, jornalismo, estatística, e muitas mais áreas do saber, de forma a poderem exercer um juízo crítico em relação aos dados a que têm acesso, e melhor debaterem, reflectirem e ajuizarem as suas conclusões, menos erros por ignorância são cometidos pelos decisores.

Os erros por «parte interessada» são minimizados por um sistema completamente democrático, com total e completa participação. Se os decisores e governados forem o mesmo grupo, qualquer que seja a decisão, e forem respeitados os direitos individuais das minorias, é virtualmente impossível cometer um erro deste tipo.


Note-se que não importa apenas minimizar erros dos dois tipos. As questões de liberdade e poder, que coloquei de lado no início de texto, são absolutamente fundamentais para o bem comum.

De qualquer das formas, é curioso observar como o sistema de democracia representativa que surgiu na Europa e nos Estados Unidos no século XVIII parece ser um equilíbrio entre estes sistemas.

Por um lado, leva à criação de uma classe política de índole aristocrática - no sentido grego do termo - mas por outro lado o poder dessa classe é conferido voluntariamente por todos os cidadãos (sendo que inicialmente só era conferida cidadania a uma parte muito restrita da população, mas felizmente essa realidade foi mudando). Isto não só confere ao sistema uma componente democrática, como, ao colocá-la na base do sistema, torna o sistema mais compatível com os ideais de liberdade e justiça a que aspiramos.

O sucesso deste híbrido - a democracia representativa - foi tremendo. Rapidamente passou a ser considerado um modelo «exemplar» por cidadãos em todo o mundo, exercendo um apelo estético em pessoas de culturas muito diferentes, tais como Nelson Mandela e Mahatma Gandhi. Em resultado disso, depois de ter conquistado quase toda a Europa e a América do Norte, já é a forma de governo dominante na América do Sul, numa parte significativa da Ásia e está a ganhar terreno em África. Em termos formais existem muito poucos países que não alegam ser democracias representativas.

Mas será que continua a ser o modelo ideal? Ou será que outras mudanças que aconteceram no mundo terão alterado o equilíbrio ideal entre a componente aristocrática e democrática do actual regime político?

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Todos às barricadas, que o governo já lá está

Os serviços ditos «de informações» são uma daquelas gorduras do Estado que não fazem falta rigorosamente nenhuma. Num momento em que pagaremos mais por menos em serviços efectivamente úteis à população e realmente públicos como o ensino ou a saúde, esses serviços, especialistas na prática de crimes úteis à actividade privada do governo, têm o papel de criminalizar a oposição e fomentar o protesto violento.

Hoje, anunciam-nos que existe um «plano de contingência»  para que «o trabalho normal do governo possa decorrer em outro lugar» se os ministérios e a casa oficial do PM forem «barricados» por manifestantes. Nem mais: barricadas a impedirem o governo de reunir. Quem lança esta fenomenal ideia são os mesmos que consideraram «dever de ofício» (sic) compilar os contactos telefónicos de um jornalista que não cometera crime algum, e que no mesmo relatório colocaram o mesmíssimo acto como relevando da «responsabilidade pessoal». (Ou seja: a hierarquia do SIED ou do SIS dá ordem para cometer um crime; quando o crime arriscar punição, a responsabilidade será pessoal.)

Enfim, por mim, até podem mandar o governo para um bunker. Mas com tanta vigilância, tanto cenário apocalíptico e tantos «inimigos invisíveis», o pesadelo de Passos Coelho de terminar no quartel do Carmo é uma daquelas profecias que se arriscam a tornar-se realidade pelo simples facto de serem enunciadas. É que quem semeia ventos colhe tempestades, e a austeridade e a repressão combinam mesmo bem é nas ditaduras...

Europeizando a Europa

Concordo com muito do que é escrito neste artigo do verde Joschka Fischer (publicado também na passada sexta no Público). Alguns extractos onde mais me revejo:

"o problema da Europa não é o que aconteceu, mas sim o que não aconteceu: a criação de um governo Europeu comum."

"No início da década de 1990, quando a maioria dos estados membros da União Europeia decidiram formar uma união monetária com uma divisa comum e um banco central, a ideia de um governo central não colheu apoios. Como resultado, essa fase da construção da união monetária foi adiada, deixando um edifício impressionante a que faltavam alicerces sólidos que garantissem estabilidade em tempo de crise. A soberania monetária tornou-se numa causa comum; mas o poder necessário para a exercitar permaneceu nas capitais nacionais. Acreditava-se na altura que regras formais – impondo limites obrigatórios nos défices, na dívida e na inflação – seriam suficientes. Mas este alicerce de regras mostrou ser uma ilusão; os princípios precisam sempre do apoio do poder; de outro modo não poderão suportar o teste da realidade."

"A zona euro necessita de um governo, que, no actual estado de coisas, só pode consistir dos respectivos chefes de estado e de governo – um desenvolvimento que já foi iniciado. E, porque não pode haver uma união fiscal sem uma política orçamental comum, nada pode ser decidido sem os parlamentos nacionais. Isto significa que uma “Câmara Europeia”, compreendendo os líderes dos parlamentos nacionais, é indispensável."

Para o tal governo eu preferia a eleição directa através de eleições pan-europeias.

Democracia e Aristocracia - I

Os antigos gregos dividiam os regimes políticos em três tipos: governo de um (Tirania ou Monarquia); governo de vários (Oligarquia ou Aristocracia); e governo de todos (Democracia ou República).

Claro que esta divisão (e a terminologia associada) dependia ao certo de autor para autor (para Platão a República seria uma sistema híbrido, com componentes democráticas, aristocráticas e monárquicas, e muitos outros sistemas híbridos foram sendo propostos), mas geralmente enquanto a Monarquia, Aristocracia ou República seriam «boas versões» de cada um dos tipos de governo; a Tirania, Oligarquia e Democracia representavam precisamente o oposto (versões degeneradas).

No caso da diferença entre a Monarquia e a Tirania, a ênfase não estava na linhagem do governante, mas na sua legitimidade aos olhos do povo enquanto detentor do poder absoluto, e nos seus objectivos enquanto governante (servir-se, ou servir o povo).

Da mesma forma, a Aristocracia era vista como um governo por parte dos mais sábios ou mais capazes, governando para bem do povo; enquanto que a oligarquia governava com o objectivo de recolher o máximo de dividendos do exercício do poder.

O termo «Democracia», curiosamente, era geralmente visto como depreciativo. Quase todo o pensamento político grego considerava o poder «da multidão» como uma má forma de governo. Considerava-se que o povo era demasiado ignorante e impulsivo para tomar as decisões correctas quanto à sua governação, e que a consequência natural da Democracia seria o empobrecimento generalizado ou a Anarquia, e culminaria provavelmente com o estabelecimento de uma Tirania.

Todos sabemos, pela experiência ateniense, que nem todos os pensadores políticos gregos pensaram desta forma. O discurso fúnebre de Demócrito em honra daqueles que morreram dando a sua vida pelo ideal democrático - no qual ele opta precisamente por fazer o elogio ao ideal pelo qual morreram, em vez de o fazer aos guerreiros defuntos - é verdadeiramente comovente.

Há, no entanto, algumas considerações a fazer. As votações democráticas, da forma como os gregos encaravam este regime, correspondiam à democracia directa, o que não nos causa qualquer surpresa.
No entanto, num regime democrático, detentores dos cargos públicos e executivos que existissem não eram eleitos: eram sorteados. Só assim seria possível que qualquer cidadão tivesse iguais hipóteses de aceder a tal cargo.

A eleição de um cidadão para o exercício de um cargo público era vista como uma forma de aristocracia: pois só os mais capazes (pelo menos no que diz respeito à capacidade de persuasão) conseguiriam reunir os votos necessários à sua eleição.

Isto quer dizer que o sistema de Democracia Representativa, tal como existe hoje, seria visto pelos gregos como um misto de Democracia e Aristocracia.

domingo, 13 de novembro de 2011

Revista de imprensa (13/11/2011)

  • «(...) The trade and competitiveness imbalances were too severe – and too profitable for the Germans – to last. Yet every attempt to resolve a crisis that could push us into a second great depression is met by German prevarication. If Germany allowed the European Central Bank to print unlimited stocks of money, the ECB could shock and awe the bond markets into submission. Germany will not allow it because the national myth holds that the Weimar Republic's hyper-inflation of 1923 brought the Nazis to power. Printing money today would be to repeat the mistakes of Germany's tainted past once again. If they were truly interested in warnings from history, Germans would understand that the proximate cause of Hitler's victory – which was in 1933, not 1923 – was not inflation but the mass unemployment bought by Heinrich Brüning, "the hunger chancellor". He responded to the Great Crash of 1929 in much the same way that eurozone governments and the Cameron coalition have responded to the Great Crash of 2008 – by imposing an austerity that slashed salaries, cut services and left 30% of the workforce unemployed. Germany then resembled Greece, Spain and Italy now.

A ditadura que permitiu eleições

Segundo Alberto Gonçalves, houve uma «ditadura comunista» em Portugal depois do 25 de Abril de 1974. Não se sabe é se a ditadura foi antes ou depois das eleições.

Liberdades Individuais sob ataque

Esta retirada poderes à Comissão Nacional de Protecção de Dados, que salvaguarda a protecção da nossa privacidade, é um ataque às liberdades individuais.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O imposto Ryanair


Michael O'Leary numa campanha publicitária da Ryanair

Em tempo de vacas magras o milionário Michael O'Leary é um dos maiores beneficiários de subsídios, ajudas, subvenções e programas regionais em toda a Europa. E esta é uma das suas principais fontes de lucro, obtida frequentemente após chantagem em que ameaça retirar os seus aviões da região. Tal como suspeitava, Portugal não é excepção, desde Dezembro de 2007 foram atribuídos 15 milhões de euros às companhias apelidadas de "baixo-custo" (na realidade o custo total da viagem é muito semelhante às outras companhias e muito mais caro se algo correr mal). Relembro que a Ryanair foi já condenada a devolver 4,5 milhões de euros que recebeu da região da Valónia para operar em Charleroi. A Ryanair estima um lucro de 440 milhões de euros em 2011.

Na prática trata-se de um imposto sobre a fortuna ao contrário. O contribuinte paga aos milionários para estes obterem ainda mais lucros. Os benefícios da Ryanair para turismo do país são muito duvidosos. Faria muito mais sentido estimular o turismo suprimindo portagens nas regiões fronteiriças (as populações locais sentem bem no pêlo os estragos das portagens) do que subsidiar companhias que podem ser substituídas por outras que na prática oferecem custos totais semelhantes e um serviço com maior qualidade.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Revista de blogues (10/11/2011)

  • «Dani Rodrik, um economista turco cujas ideias deveriam ser mais conhecidas, sustenta no seu último livro The Globalization Paradox com grande soma de argumentos uma tese tão controversa como decisiva para o futuro de todos nós: não é possível termos ao mesmo tempo globalização, estado-nação e democracia.
    Podemos ter simultaneamente duas dessas coisas – globalização e estado-nação, estado-nação e democracia ou globalização e democracia – mas nunca as três.
    Se Rodrik estiver certo – e tendo a pensar que está – as nossas posições políticas caracterizar-se-ão principalmente por aquilo que nos resignarmos a dispensar.
    Se me tivessem perguntado há dez anos, teria optado por conservar a democracia e a globalização, aceitando o progressivo desaparecimento do estado-nação. Agora porém, creio que mais depressa prescindiria da globalização para guardar a democracia e o estado-nação.» (João Pinto e Castro)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma moeda desgovernada

Os estados do euro são países de soberania limitada. Devem controlar o défice mas não podem controlar a moeda. Elegem deputados mas, ao invés dos parlamentos das democracias, a assembleia que constituem não propõe legislação nem derruba o “governo” comum, essa Comissão Europeia burocrática e irrelevante, só em parte porque presidida por um oportunista fugido de um pequeno país periférico. As decisões políticas realmente importantes para a UE foram e são tomadas pelos chefes de governo, entre os quais o poder de facto, durante a euforia dos tratados, se resumia ao célebre “Directório” dos maiores estados. Reduz-se agora a Merkel com um pouco de Sarkozy.

À hora a que escrevo não é claro se Berlusconi será o quinto líder governamental derrubado pelos mercados, depois de Karamanlis, Brian Cowen, Sócrates e Papandreou. Outros cairão: como mostra a Grécia, a mesma receita produz os mesmos resultados, e a destruição do Estado social pode salvar os bancos mas não salvará o euro.

Merkel tem maioria para dois anos. A próxima (talvez a última) oportunidade de mudar o rumo da UE será a eleição presidencial francesa, em Maio, se vencer um projecto de emissão de dívida pelo BCE, impostos europeus e taxação das transacções financeiras e dos paraísos fiscais. A mudança, já se viu, não virá nem das instituições comuns nem de pequenos estados subalternizados. Infelizmente.

(Publicado originalmente no i.)

Cai a noite na Europa

Hoje, às 10 horas e 5 minutos, a Itália ultrapassou os 7% de juros na sua dívida a 10 anos. Sabemos o que se seguiu na Grécia e na Irlanda, e também em Portugal: a intervenção do FMI, novo governo, mais destruição do Estado social, e a Grécia descobriu agora que nada disso chegou e vai reiniciar o processo. A Itália só se antecipou com a saída de Berlusconi, ontem. (Estava para escrever sobre o fim de carreira desse populista, mas não interessa. Já pouco interessa, aliás.)

Neste momento, as apostas são sobre se será a Espanha, a Bélgica ou até a França o próximo Estado a ultrapassar a mítica marca dos 7% após a qual os «mercados» decretam a ocupação de um Estado soberano pelo FMI. Poucos duvidam que Merkel e o seu caniche francês (vulgo «Merkozy») não sabem o que estão a fazer, não sabem como sair desta alhada, e que os burocratas europeus só querem saber qual é a instituição financeira para onde vão a seguir.

Há um programa de esquerda para sair desta crise mantendo o euro, que passa pelas euro-obrigações e por impostos europeus. Mas não serão os líderes actuais a impô-lo, e o próximo líder com real poder que poderá ser substituído nos próximos meses é Sarkozy, mas apenas em Maio. Até lá, muito juro vai subir, muitos salários serão cortados, muitos de nós perderão o emprego, e duvido que ainda haja euro para todos.

E a UE? Ah pois. As instituições eleitas não têm poder, e as não eleitas encostam-se à Alemanha. Foi para isto que serviu o europeísmo.

Faz-se tarde.