sábado, 23 de outubro de 2010

Revista de imprensa (22/10/2010)

  1. «O que atravessamos actualmente é uma crise política que resulta do desmoronamento de um projecto político: a união monetária sem união política. Nunca na história do capitalismo existiu uma moeda sem um Estado que sirva como árbitro dos conflituantes interesses dos grupos económicos. (...)

    A União Europeia a 25 é, desde logo, um espaço político desigual. Apesar das transferências dos Fundos de Coesão e outros fundos comunitários, as desigualdades profundas no nível de vida, no desenvolvimento tecnológico, no acesso à educação e na produtividade do trabalho, para dar alguns exemplos, são, ainda hoje, gritantes. (...) A UE-27 é também um espaço político pouco democrático. Apesar de o Parlamento Europeu (PE) ser eleito directamente pelos cidadãos, o seu poder é limitado pelas interferências da Comissão Europeia e, em menor grau, do Conselho Europeu, órgãos não eleitos. (...) O sustentáculo da moeda única acaba por ser, então, o Banco Central Europeu (BCE), uma instituição que goza de uma inédita independência face ao poder político. Em última instância, tudo isto implica que muitas das decisões que determinam a política económica e, logo, variáveis como a taxa de desemprego ou as desigualdades de rendimentos, são tomadas por um grupo fechado e centrípeto de burocratas que não prestam contas a ninguém.
    A loucura de toda esta construção política feita à medida dos delírios neoliberais é evidente neste momento em que atravessamos mais uma crise capitalista. O BCE que não empresta dinheiro aos Estados Membros para preservar a sua independência empresta dinheiro aos bancos privados a taxas de juro baixas, que depois vão emprestar aos governos a taxas de juro altas. (...) Mas a crise do euro é sobretudo uma crise de solidariedade. Quando a Alemanha se recusa a contribuir para a salvação da Grécia, depois de ter conseguido importantes ganhos nas suas exportações à custa da relativa contenção salarial, sabemos que o projecto de uma Europa unificada morreu. Seria inconcebível ver um estado rico a negar ajudar um estado pobre durante um momento de crise nos EUA ou no Brasil, por exemplo. Se é concebível este cenário na Europa é porque o ideal de coesão territorial nunca foi mais do que um sonho.
    O problema de fundo é, portanto, o de que temos uma moeda única sem um estado, sem uma união política e sem mecanismos de redistribuição de rendimento entre estados. (...)» (Ricardo Coelho, Esquerda.net)
  2. «Os países têm dificuldade em adoptar políticas económicas racionais, porque os políticos cedem continuamente às pressões das massas para aumentarem a despesa pública e baixarem os impostos. Já Aristóteles nos ensinou que a democracia conduz infalivelmente ao triunfo do populismo e da demagogia. (...)
    Sucede, porém, que a suspensão da democracia país a país defrontar-se-ia com resistências - algumas sentimentais, outras reflexo dos interesses instalados. (...) Felizmente, há uma solução melhor, que está a ser paciente e meticulosamente aplicada. A parte mais difícil foi convencer os países a aderirem à Zona Euro. "Ipso facto", eles cederam voluntariamente ao Banco Central Europeu a sua soberania em matéria de política monetária e cambial. Anexado ao Euro veio o PEC, invocando com indiscutível razoabilidade a necessidade de proteger a zona monetária do comportamento fiscal eventualmente irresponsável dos seus membros. Resultou daí uma limitação adicional da política económica, esta ao nível orçamental.
    O Banco Central Europeu é uma instituição "sui generis": muito mais independente em relação aos poderes políticos do que qualquer banco central; menos transparente nas suas decisões; e, por último, estatutariamente vinculado a preocupar-se apenas com a inflação e não com o desemprego ou o crescimento.
    (...) Eis, pois, a janela de oportunidade que qualquer cidadão europeu consciente e responsável aguardava. Liquidada a réstia de margem de actuação que sobrava aos estados nacionais europeus, todo o poder efectivo de governação económica está hoje de facto concentrado no BCE e em instituições europeias não responsáveis perante o voto popular como a Presidência Europeia, a Comissão Europeia e o Ecofin.
    Aproveitando o estado de debilidade das finanças públicas dos países-membros (principalmente os da periferia económica), trata-se agora de incumbir a Comissão de realizar avaliações regulares da situação e de criar um mecanismo eficiente de governação. Accionado um alerta, a Comissão emitirá recomendações sobre a forma de corrigir os desequilíbrios. Em casos considerados graves, a Comissão poderá declarar o país-membro em "situação de desequilíbrio excessivo", determinando "medidas correctivas" propostas por um "painel de peritos" com "um profundo conhecimento técnico sobre a realidade económica do país". Quem não cumprir à risca essas medidas estará sujeito a penalizações, indo até à perda do direito de voto nas instituições comunitárias. Por uma feliz coincidência, a larga maioria dos actuais governos da Europa apoia esta transformação. É claro que amanhã poderão ser derrubados e substituídos por outros, mas então, com o Tratado da União alterado, será já tarde para voltar atrás.
    Aprovado o novo regime de governação económica da UE, os contestatários poderão espernear, manifestar-se, promover motins; decretar greve geral por 6 meses; ou trocar de governo dia sim, dia não, que isso em nada modificará as circunstâncias.
    » (João Pinto e Castro, Negócios Online)

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