terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ainda a historiografia da República

O artigo de Fernando Catroga no Público de hoje é muito desigual. Tem parágrafos com que só posso concordar, como o seguinte (o final).
  • «Igualmente marcantes foram as consequências da constitucionalização da liberdade de consciência, premissa maior da liberdade de pensamento, de expressão e de religião, e fundamento último da laicidade. Mais uma vez, aqui, contou o exemplo dos republicanos franceses. Com esta diferença: estes levaram mais de 20 anos a concretizar um plano que, em Portugal, só demorou seis meses a implantar. Voluntarismo laicizador, mas também resposta a uma Igreja - com raras excepções - aguerridamente antimoderna: o anticlericalismo foi sempre irmão siamês do clericalismo. E, afinal, a República não inventou a questão religiosa. Convicta de que sem a libertação da tutela eclesiástica não haveria escolha racional, nem nacionalização do sentimento de pertença, ela integrou a herança de Pombal e do liberalismo monárquico para ir mais longe. Assim, a Igreja foi sendo separada: do Estado; da família (divórcio); do controlo prioritário dos ritos de passagem (registo civil obrigatório); da escola (ensino obrigatório, gratuito e laico). Escola sem Deus, mas não contra Deus, e "Igreja cívica do povo", onde se socializaria a ética republicana, ensinando-se a cultivar a virtude política. Projecto muito reiterado, embora, por várias razões - incluindo as resistências sociais à alfabetização -, o seu progresso tenha sido muito lento, como foi o da conquista da cidadania, o maior legado da cultura republicana.»

 E no entanto, arranca mal. Da forma seguinte.
  • «Os republicanos foram os primeiros grandes semeadores de sonhos, certos de que estes estavam cientificamente demonstrados. Invocavam a existência de leis objectivas da história (entre todas, a lei da evolução) para as pôr ao serviço do diagnóstico da crise que estaria a minar a sociedade portuguesa, estado de onde a República irrompia como anúncio do tempo novo da liberdade e da justiça. Basta ler o que, a partir da década de 1870, os seus ideólogos (Teófilo Braga, José Falcão, Manuel Emídio Garcia, Teixeira Bastos, Carrilho Videira, Sebastião de Magalhães Lima, Jacinto Nunes, Basílio Teles, Miguel Bombarda) escreveram para se perceber que esta nova fé na ciência se tornou hegemónica na cultura política portuguesa.»
Existe em Coimbra um profeta do anti-cientismo nacional (Boaventura Sousa Santos). Espero que a sua influência não se esteja a propagar.

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