terça-feira, 11 de agosto de 2009

Aqui, Luke Skywalker

Descobri a acção humorística do 31 da Armada ontem à tarde, quando uma jornalista me telefonou. Tentei explicar que a implantação da República fora muito mais do que um hastear de bandeira, e que os objectivos dos neo-monárquicos me parecem misteriosos. A Eva Cabral reproduziu assim a conversa que tivemos:
  • «Ricardo Alves, presidente da Associação República e Laicidade, frisou que não compreende "o que significa este tipo de acção". Ao DN, diz que"não se percebe se em causa está restaurar a monarquia que caiu a 5 de Outubro, se restaurar o Estado Novo ou defender uma ligação com Espanha que é quem neste momento na Península Ibérica é uma monarquia".

    Com ironia, Ricardo Alves questiona mesmo "quem foi o rei durante as varias horas em que a bandeira esteve hasteada?"». (Diário de Notícias)

Efectivamente, já uma vez comentei isso mesmo para um monárquico frequentador deste blogue: «não se entende se os monárquicos querem debater os acontecimentos de há cem anos, restaurar a monarquia do século 19 (ou a do século 15?) no século 21, se querem "vingar" o 25 de Abril e a descolonização, [ou] se querem garantir um "ethos" conservador através do monarca». A acção de ontem permite manter estas indefinições. Não explica se o objectivo do movimento é criticar as condições da implantação da República, restaurar a monarquia dos Braganças ou outra (qual?), ou apenas irritar a «esquerda». A impressão que fica é de que nem os monárquicos levam a sério a ideia de restauração da monarquia. Eis aqui um consenso nacional, mesmo que eles não o admitam.

Mas o mais importante seria que esclarecessem, exactamente, qual o projecto de sociedade que entendem avançar com a hipotética restauração da monarquia. É que a República implantada em 1910 tinha um projecto de laicização do Estado, descentralização da administração e igualitarização dos direitos cívicos. Pode-se não concordar, mas sabe-se qual era. A República actual tem também um projecto: democrático, europeísta, com garantias de assistência social e alguma laicidade. O projecto dos monárquicos de 2009, se é que existe, parece reduzir-se a missas, touradas e fotografias do Duarte nas revistas de foto-reportagens. Eu prefiro melhorar a República que tenho, mas enfim, os monárquicos que se fiquem com o passado.

Finalmente, temos a máscara do Darth Vader, símbolo da acção. O que está certíssimo: Vader batia-se por um regime autoritário, centralizado e militarista. Muito bem. Se eles são o Darth Vader, eu serei o Luke Skywalker, que combatia por uma República constitucional. Por mim, está perfeito.

9 comentários :

António Rodrigues da Silva disse...

O que está em causa, e que o Ricardo e muitos não querem perceber, é que a Primeira República, no que diz respeito às liberdades democráticas, foi um regime menos democrata que a Monarquia Constitucional (com mais censura, igual ou superior número de prisões políticas, menos eleitores, etc)...E para além disso foi implantada com a indiferença do povo (que valia de modo igual para a Monarquia) e não com o seu apoio, como se quer fazer crer.Depois, tal como a Monarquia, caiu de podre e deu origem ao Estado Novo...
Vão celebrar-se 100 anos de quê? De um regime quase autoritário? Mas será que alguém com dois dedos de testa pode achar que a actual e democrática República é filha da autoritária Primeira República?

Com as novas investigações historiográficas que têm sido levadas a cabo por autores como Catroga, Pulido Valente, Rui Ramos e outros parece-me que estes "republicanos" que se preparam para comemorar não se sabe bem o quê, ainda vão ter que aturar outros republicanos (estes mais esclarecidos, como os que referi) do outro lado da barricada (isto é do lado desses românticos, snobes, anarcas, miguelistas e queques que são os monárquicos portugueses).
Se encarassem isto com um bocadinho mais de rigor talvez não se chegasse ao ridiculo a que se vai chegar...

António Rodrigues da Silva

PS: Esta do 31 da Armada foi demasiado "Situacionista" para gajos de direita...Mas até teve alguma piada.

Ricardo Alves disse...

Caro António Rodrigues da Silva,
não compreendeu o que eu escrevi. Parece-me até que talvez não o tenha lido.

O debate sobre a História da primeira metade do século 20 português deveria ser marginal perante a questão do regime. A legitimidade da actual democracia republicana não passa por aí, necessariamente.

O que me interessa saber é como será a República que temos no futuro. Para esse debate, os monárquicos actuais não parecem querer contribuir.

Que se celebre a implantação da República, sem dúvida que me parece bem. Foi um regime menos autoritário do que a monarquia que o precedeu, embora imperfeito em vários aspectos - como o actual ainda tem muito por onde melhorar. Quanto às obras dos historiadores que refere, são, com a honrosa excepção de Catroga, exercícios de maledicência e verrinice - e note nada tenho contra os exercícios em si, mas fazê-los passar por «investigação historiográfica» é descabido (e ridículo).

Ah, e a Comissão do Centenário tem tantos monárquicos e católicos que penso que estará mais próxima da sua visão da 1ª República do que da minha.

dorean paxorales disse...

Esse não era filho do próprio Darth Vader e da Rainha Amidala e ainda irmão da princesa Leia?

Ricardo Alves disse...

Dorean,
como deves saber, a variação do processo de recombinação do ADN garante diversidade dentro de todas as famílias. Até nas famílias da «realeza» há génios, pessoas de bem e republicanos. Mas é melhor não arriscar. ;)

dorean paxorales disse...

Recombinar é bom, já se sabe ;)

Mas até com a letra da Constituição de 1822 já ninguém hoje em dia arrisca nada .

António Rodrigues da Silva disse...

Caro Ricardo Alves,

Percebi o que quis dizer, apenas abordei a questão (da colocação da bandeira) indo à sua genese e ao confronto de ideias e de argumentos que vai surgir com a comemoração do centenário da República.
Não defendo de maneira nenhuma o restaurar da Monarquia, mas nas inúmeras obras que tenho lido sobre o assunto em questão (e até por alguma investigação movida pela minha curiosidade pessoal: análise de dados estatisticos, leitura de jornais da época, etc) fico cada vez mais convencido que a Primeira República foi um regime mais autoritário do que o que o precedeu. Havia menos liberdade de expressão, um valor pelo qual eu lutei e prezo imenso (e este facto é inegável), havia um menor número de eleitores e de votantes (o que é incrível!!)para além de haver em algumas fases um total despreso e ataque (fisico, entenda-se) a ideias diferentes. Pelo menos a partir de 1880 (talvez até antes mas este foi o periodo que estudei melhor) na Monarquia Constitucional para além de existirem mais eleitores e votantes, a liberdade de expressão era muito maior e a repressão, que obviamente existia, era aplicada em casos mais extremos e não por tudo e por nada (já reparou na quantidade de mortos que os radicais e os carbonários fizeram, entre os moderados republicanos que outrora se tinham servido deles? Isto para não falar das prisões políticas de monárquicos com direito a humilhações públicas...). É por estes factos, entre outros, que me parece que a Monarquia Constitucional foi mais "branda" que a República de 1910...Para além disso muitas das conquistas cívicas e administrativas da República, já tinham tido, por clara influência da ala esquerda do liberalismo e dos próprios republicanos um inicio na Monarquia. Lembro-me por exemplo da centralização do sistema administrativo (um claro "sintoma" do liberalismo) ou dos casamentos civis (que ao contrário do que se pensa já existiam pelo menos 10 anos antes da República ser implantada).
Desculpe esta conversa toda vinda de um "cota" democrata e republicano que tenta ser um gajo jovem e porreiro (embora os anos nos lixem sempre!). Mas ainda há mais uma coisa que lhe quero sugerir: leia com mais atenção e menos preconceito as obras por exemplo de Rui Ramos, consulte as fontes citadas directamete (se tiver tempo como eu tenho!). É que independentemte de ideologias só com um conhecimento abrangente (o ideal seria universal, sobre todas as matérias!) é que um obreiro consegue fazer uma boa obra... Ás vezes vale a pena ver com os nossos olhos.

Jorge Santos disse...

Ainda há mais uma coisa a referi:
Podemos dizer que ontem Lisboa foi derrubada e substituida pela Monarquia...é que a bandeira que estava na câmara da capital não era a da República.
Seja como for, se o executivo da câmara de Lisboa fosse derrubado e substituida por um micro-estado monárquico, eu não sei se perferia ver a governar o D. Duarte ou o Santana Lopes, que pode bem vir a ganhar no dia 11.

Outra coisa, se os monárquicos são o Império e os republicanos os jedis, isso faz dos anarquistas o Hans Solo...

Ricardo Alves disse...

Caro António Rodrigues da Silva,
eu já li bastante sobre este período. De todos os lados: Raul Rego, Carlos Ferrão, Oliveira Marques, Luís Farinha, Fernando Rosas, Fernando Catroga, Pulido Valente, Arnaldo Madureira e outros. Do Rui Ramos lembro-me de um capítulo de livro em que comparava os republicanos aos nazis. Ora, entre medirem-me o crâneo e ir para a câmara de gás, eu prefiro ficar com o cabelo despenteado ;)

Mas compreendo o que quer dizer. A 1ª República não foi um regime perfeito (também não há nenhum país perfeito deste lado do país das fadas...). No entanto, foi muito melhor do que a monarquia na liberdade de ter e não ter religião, nos direitos das mulheres, e no fomento da instrução e do ensino superior. Teve falhanços? Imensos. Como o regime actual os tem.

O casamento civil, como refere, já existia. Mas era dificultado por quem detinha os registos (o clero) e extremamente minoritário. O registo civil obrigatório de nascimentos, casamentos e mortes foi uma das conquistas da República.

Quanto às fontes originais, já consultei algumas. Mas o tempo não dá para tudo.

Ricardo Alves disse...

«se os monárquicos são o Império e os republicanos os jedis, isso faz dos anarquistas o Hans Solo...»

Exacto. ;)