quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Democracia e «liberais»

Existe hoje, na blogo-esfera dita «liberal», um discurso crítico da democracia que chega a admirar, ou pelo menos desculpar, Pinochet (o homem que pôs fim a meio século de governo constitucional no Chile...). O argumento recorrente é o de que Allende se prepararia para implantar uma ditadura. A teorização que fundamenta essa especulação postula que um regime socialista (com empresas públicas, impostos elevados ou regulação da economia) caminha sempre para a ditadura. Mas a realidade é que não se sabe o que seria o Chile de Allende em 1976 ou 1979. Sabe-se que fora eleito em 1970 com apenas 36% dos votos (e sufragado seguidamente pelo Congresso), mas raramente se refere que a coligação que o apoiava teve 43% numas eleições parlamentares meses antes do golpe de Estado, e que tivera 50% numas municipais um ano após a eleição de Allende. Jamais se recorda que Fidel, depois de visitar o Chile de Allende, ficou céptico quanto à possibilidade de edificar um «Estado marxista» sem autoritarismo. E nunca se elucida que a violência de rua era tão devida à extrema direita como à extrema esquerda. O «horroroso crime» de Allende, que poucos nomeiam abertamente, não aconteceu na esfera política das liberdades fundamentais, mas sim na esfera económica, quando nacionalizou empresas mineiras estado-unidenses que anteriormente não pagavam impostos, e redistribuiu terras.
Na verdade, o único bom exemplo de uma democracia, com várias provas eleitorais já dadas, que tenha caído por eleger um ditador, é o da República de Weimar, com a ascensão do nazismo. Não existem outros casos, apesar das diatribes anti-democracia dos nossos «liberais» (que contudo vão tendo as suas excepções, até n´O Insurgente), e que evocam um dilema, artificial e ilusório, entre liberdade e democracia. (Segundo eles, apenas as democracias que garantissem a propriedade privada como valor fundamental, contratos sem garantias sociais e sindicais, e impostos baixos, seriam legítimas.)
Assim se compreendem as críticas violentas da nossa direita blogo-esférica a Chávez e Morales. O demagogo que governa a Venezuela, e que tem uma política externa desastrosa, já foi eleito três vezes em eleições presidenciais (em 1998, 2000 e 2006), que a oposição não contestou. Pelo meio, venceu dois referendos (1999 e 2004), um constitucional e outro de destituição. Não tenho notícia de que ande a meter os opositores na prisão (e já sofreu um golpe de Estado), ou que tenha proibido a comunicação social opositora. Comparado com os anteriores presidentes da Venezuela, não será pior nesses aspectos (mas não sei se será melhor). Mesmo assim, é criticado como se fosse o ditador que não é (e já teve oito anos para sê-lo...). As críticas que lhe são feitas resultam em parte de um reflexo condicionado «pró-americano», e em parte do facto de ser, com Morales, o único líder eleito do hemisfério ocidental que não assume o modo capitalista como único. E essas críticas revelam que a nossa «direita liberal», salvo honrosas excepções, tem uma adesão muito condicional à democracia.

1 comentário :

Filipe Castro disse...

Li ha mais ou menos um ano uma entrevista com Chavez e pereceu-me ter um projecto interessantissimo para a Venezuela. E depois vi na televisao um documentario em que a classe alta venezuelana se queixava dele, mas sempre sem argumentos ou factos. A unica coisa objectiva que disseram foi que ele "nao tinha boas maneiras".