segunda-feira, 22 de maio de 2006

Polícia para quem precisa de polícia1

Há coisas que saltam á vista. Uma delas é que a polícia em quase toda a parte do mundo "gosta de estar" em avenidas movimentadas, em frente a centros comerciais, zonas turísticas, etc, e quase nada e nunca em bairros conflituosos, subúrbios pobres, etc. A polícia serve para proteger as pessoas e a propriedade privada e pública. Provavelmente os governantes e responsáveis públicos utilizando de "lógica comum", dão portanto prioridade à protecção da propriedade privada e das pessoas com mais propriedade privada. Quanto mais propriedade mais polícia a guardar-la (e aos seus donos). Em todo lado "favela" é lugar onde a polícia só vai para fazer rusga. (Então vão muitos, provavelmente para que depois a média estatística "saia certa", e possam dizer que ao longo do ano houveram tantos polícias na "favela" quanto no bairro novo-rico vizinho.).
###Qualquer conferência de segurança que se preze convida o antigo mayor de Nova Yorque, Rudy Giuliani, para uma pequena e iluminadora palestra-discurso, assim que eu também convido. É sabido que o crime na "capital do mundo" sofreu uma enorme redução ao longo do mandato de Rudy. Rudy e seus apoiantes dizem que esta redução se deve, é claro, à política policial dura de tolerância zero de Rudolph William Louis Giuliani III. A verdade é que parecia haver já uma tendência de redução de criminalidade geral nos Estados Unidos, iniciada pouco antes do mandato do própio Rudy Giuliani. (Ver gráfico abaixo, fonte Wikipedia.) Os factores que os mais críticos apontam então como realmente causantes da redução nacional de criminalidade norte-americana, seriam o incremento de agentes de polícia e o crescimento da economia.



É verdade que aumentar o poder da polícia e fomentar a sua intolerância, amplificando na esfera do Estado a violência social, não são necessáriamente geradores de segurança e menos criminalidade, tal como nos diz o sociólogo françês Loïc Wacquant, especialista nestes temas, também convidado a essa nossa micro-conferência e já referenciado em post anterior. Mas o aumento de número de polícias e a sua redistribuição, alterando a sua localização para bairros geradores de conflicto e não suas vítimas, pode ser uma política extremamente digna e democrática. Na verdade é uma falácia dizer que estes bairros só geram conflicto social quando são em realidade, além disso e em primeiro lugar, as suas maiores vítimas. Qualquer morador honesto (e são em geral maioria) destes bairros agradecerá saber que seus filhos não terão como baby-sitter ao traficante da rua, e que este tão pouco estará à porta da escola para os receber e "levar à casa". Assim como gostarão de saber que poderão estar junto à janela de suas casas sem ter medo de levar um tiro fortuito por culpa de uma luta ocasional entre bandos locais. Se os habitantes destes bairros não simpatizam com a polícia é porque sabem que esta quase só aparece para os oprimir e tornar suas vidas mais insuportáveis do que já são.

A polícia é necessária. Muitas vezes, em muitos e distintos lugares do mundo, mais polícia do que a que há é necessária. Mas é fundamental pensar para quê a queremos em primeiro lugar e antes de tudo. A resposta será: para proteger as pessoas, todas e quaisquer pessoas. Também aqui "o morro tem que ter vez"2, dos subúrbios de Paris às favelas paulistas, passando pelos arredores de Lisboa.

1 Título de canção de Titãs (grupo de rock brasileiro).
2 Título adulterado de canção de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

5 comentários :

Anónimo disse...

Caro Rui Fernandes

Parece-me correcta a actuação da polícia. A dita serve para impedir crimes. Logo deve estar onde é mais provável os ditos crimes acontecerem. Ou a sua idade é colocar os polícias a vigiar as "favelas" tipo campo de concentração?

Rui Fernandes disse...

exacto... acertastes em cheio!

Rui Fernandes disse...

e tens uma idéia hiper realista sobre o ambiente das favelas, bairros de lata, subúrbios, etc.... lá não acontece crime nenhum...

no name disse...

just for the sake of fairness: antes do rudy, a densidade policial no harlem era bastante elevada (com espingardas de canos serrados a tira-colo), durante o rudy a coisa simplesmente se extendeu por manhattan abaixo. com as mesmas espingardas! até eu tinha medo de andar na rua e me cruzar com esta gente (os polícias!) :-)

Rui Fernandes disse...

Eu não quis apresentar a politica policial norte-americana e em particular a nova iorquina como ideal de nada. Existem exemplos melhores e creio haver deixado claro no texto que a politica de Rudy (que é uma radicalização e amplificação de politicas locais anteriores) não é nos seus detalhes escabrosos a ideal. Outra coisa é que pontualmente e em determinados casos mais ou menos limitados no tempo uma politica policial real para situações limites (como as favelas das grandes cidades brasileiras onde estamos falando dos lugares mais violentos possíveis, e cujas principais e quase únicas vitimas são os proprios moradores) eventualmente exigissem uma policia amplamente armada. O que não é absolutamente aceitável é achar bonito uma favela como "espaço de liberdade" para máfias destruirem as vidas dos mais indefesos entre os indefesos. Falo das crianças que vivem neste "espaço de liberdade". Noto que por exemplo durante os motins em Paris (depois extendidos a outras cidades francesas) a esquerda francesa criticava precisamente Sarkosi por haver alterado a politica de policias locais suburbanas, optando por grandes esquedras, com forças quase militares a serem utilizadas pontualmente. Isso sim me parece um processo consciente de formação de guetos muito mais próximo a ideologia nazi do aquilo de que eu aqui falo.