terça-feira, 2 de maio de 2006

Hélio Schwartsman: «Todos os homens são roxos»

«A Câmara dos Deputados está prestes a aprovar o Estatuto da Igualdade Racial (PL 6.264/05), uma das mais estúpidas iniciativas legislativas que eu já tive ocasião de apreciar.
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Chocaram-me sobremaneira os vários dispositivos (artigos 12, 17, 24 e 67) que tornam obrigatório o registro da "cor" do indivíduo numa série de documentos oficiais, como assento de nascimento, carteira de saúde, de trabalho, formulários de admissão e demissão, etc.
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ao acatar a autodeclaração --a única forma não autoritária de classificar alguém-- e, ao mesmo tempo, acenar com vantagens para quem se afirmar negro, como o faz o Estatuto, a norma já introduz um viés que distorce o fenômeno que pretendia aferir. "Mutatis mutandis", é como se o funcionário de um instituto de pesquisas qualquer oferecesse um brinde a quem responder à pergunta da forma desejada pelo patrocinador da sondagem.
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Cidadãos são cidadãos, não importando se brancos, negros, amarelos ou roxos. Aliás, a título de protesto, vou me declarar roxo todas as vezes que tiver de declinar minha "raça".
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Além da classificação racial, vejo problemas graves nas cotas, que poderão ser estabelecidas para quase tudo, desde lugares nas universidades até postos na administração, e mesmo em empresas privadas, que receberiam incentivos fiscais.
Como já tive ocasião de afirmar em outras colunas, oponho-me à reserva de vagas principalmente por razões filosóficas. O pressuposto da ação afirmativa é o de que os erros do passado podem e devem ser compensados pela chamada discriminação positiva. Para resolver injustiças cometidas às vezes séculos atrás, suspendemos momentaneamente a igualdade jurídica entre os cidadãos --elemento fundamental da República-- e passamos a favorecer alguns dentre os milhões de descendentes do núcleo originalmente prejudicado. A idéia é que, ao patrocinar a ascensão social de uns poucos, acabamos por melhorar a auto-imagem do grupo, o que contribui para promover toda a comunidade.
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Para não dizer que não falei de flores, vejo umas poucas virtudes no Estatuto. Parece-me correta a disposição de conceder às comunidades quilombolas a propriedade definitiva das terras que ocupam (capítulo VI do Estatuto), a exemplo do que a Carta de 88 já fizera com os índios.
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Outro dispositivo que aplaudo é o que consta do artigo 28 e explicitamente assegura o direito à assistência religiosa a pacientes praticantes de credos de matrizes africanas. Com efeito, são vários os hospitais, principalmente os ligados a instituições religiosas cristãs, que impedem pais-de-santo e assemelhados de prestar auxílio a doentes. Só que, de novo, esse é muito mais um caso de polícia do que de lei, pois a Constituição já garante o exercício dessa prerrogativa para todas as religiões, sem distinção.
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Bem mais difícil, para não dizer impossível, é elaborar normas capazes de acabar com atitudes segregacionistas, que estão firmemente plantadas na subjetividade dos indivíduos, na forma como cada um de nós pensa.
Podemos e devemos tentar demonstrar desde as primeiras séries escolares que o racismo é um erro, que não encontra base racional e já produziu algumas das piores catástrofes da história da humanidade. Mas, para o bem e para o mal, ninguém jamais encontrou uma fórmula eficaz para regular pensamentos
(Hélio Schwartsman na Folha de São Paulo; ler na íntegra.)

1 comentário :

sabine disse...

Este blogue é dos melhores blogues de esquerda (espero nao mudar de opiniao)