segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

«Em quem eu voto/Nem às paredes confesso»

Costumo cantar o verso reproduzido no título quando me perguntam onde rabisco o "X". Nesta eleição presidencial revelei o meu sentido de voto antecipadamente, porque Manuel Alegre se candidatara sem o apoio de partido algum, sem jurar amor eterno à União Europeia, e porque o imaginava a respeitar princípios que também valorizo. Hoje, para minha surpresa, leio isto:
O que, para além de ser um desrespeito claro à Constituição da República, é o contrário do que Alegre dissera anteriormente. Se ele mudou em algo de tão fundamental, eu também mudo. A partir de hoje, a minha intenção de voto volta a ser secreta.

11 comentários :

andré raposo disse...

Caro Ricardo Alves,

Embora sempre tenha admirado Manuel Alegre (literaria e politicamente), não irei votar na sua candidatura.
No entanto, não será pelas razões que assinalas. É verdade que mudar em tão curto espaço de tempo não traduz nada de bom, mas quem disse que o Homem é corente?
Aliás, em minha opinião, a política é a arte da incoerência. Aquele que melhor souber ser incoerente sem que tal se perceba, "leva a bicicleta". Há quem lhe chame diplomacia.
Por outro lado, relativamente aos símbolos cristãos em questão, devo dizer chamar a atenção para o facto de Portugal ser um país de tradição e cultura católica. E, efectivamente, não me parece que estarem pendurados crucifixos numa parede de um hospital ou de uma escola possa trazer algo de mal ao país ou aos cidadãos do Estado. Nem tal ofende a Constituição. A Constituição tem que, antes de mais, estar para o povo e não contra ele. A laicidade do Estado não contende com a inclusão destes símbolos religiosos, enquanto manifestações de crença popular, em quaisquer paredes de quaisquer estabelecimentos públicos.
O contrário poderá acarretar, a breve trecho, uma situação como a vivida em França.

Ricardo Alves disse...

«a política é a arte da incoerência»

Esse comentário é delicioso...

«não me parece que estarem pendurados crucifixos numa parede de um hospital ou de uma escola possa trazer algo de mal ao país ou aos cidadãos do Estado»

Não é essa a opinião de muitos alunos, pais e professores. E os que tentaram pedir directamente à escola para os remover são ostracizados (e este até é um eufemismo).

«Nem tal ofende a Constituição»

Ai não? E então o que se faz a isto: «as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado»; «o ensino público não será confessional». Ou ainda isto (da Lei de Liberdade Religiosa): «o Estado não adopta qualquer religião, nem se pronuncia sobre questões religiosas»; «ninguém pode ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou a assistir a actos de culto, a receber assistência religiosa ou propaganda em matéria religiosa».

Ricardo Alves disse...

«A Constituição tem que, antes de mais, estar para o povo e não contra ele.»

Não foi o povo que colocou os crucifixos nas paredes das escolas. Foi o Estado, invocando a Constituição (de 1933).

«A laicidade do Estado não
contende com a inclusão destes símbolos religiosos, enquanto manifestações de crença popular, em quaisquer paredes de quaisquer estabelecimentos públicos.»

Não são manifestações de «crença popular», como expliquei mais acima. São resquícios de religião de Estado.

«O contrário poderá acarretar, a breve trecho, uma situação como a vivida em França.»

Não vejo qual seja a relação. Os jovens insurrectos das banlieues avançaram alguma reivindicação de cariz religioso? Aliás, avançaram com alguma reivindicação?

Cumprimentos,

João Vasco disse...

A Manuela Magno é a única candidata que pertence à ARL...

Filipe Moura disse...

Agrada-me ver que não és suficientemente de direita, como diria o Mexia, Ricardo. :)
Um abraço e um bom ano para vocês.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
o Soares ainda é pior do que o Alegre. Nesta e noutras questões.

Bom ano para ti também.

andré raposo disse...

Caro Ricardo Alves, temo que não tenha alcançado o meu comentário. Vamos por partes:

1. Há-de explicar porque entende o comentário «a política é a arte da incoerência» delicioso. Delicioso, como? Delicioso como um pudim de ovos? Delicioso como uma mousse de chocolate? Ou delicioso porque verdadeiro?

2. Fui estudante da Católica e durante 5 anos habituei-me a conviver com crucifixos nas salas de aula. nunca verifiquei qualquer sinal de antipatia relativamente aos mesmos por aluno, professores ou empregados de limpeza, nem eu me senti tolhido nas minhas sensibilidades.

3. «os que tentaram pedir directamente à escola para os remover são ostracizados», LOL!!! Deve haver aí algum problema mal resolvido.

4. O facto de haver crucifixos pendurados nas paredes não significa, ao contrário do que advogas, que o Estado não esteja separado da Igreja (qualquer uma). O que o Estado não pode fazer, daí a CRP e daí a Lei da Liberdade Religiosa, é conceder benefícios à Igreja Católica diferentes dos que dá (ou quiser dar) às demais, nem tal significa que obrigue quem quer que seja a professar a religião cristã, a praticar ou a assistir a actos de culto, ou que, em substância, se trate de (camuflada) propaganda religiosa.
Quem ache que a cabeça das criancinhas fica influenciada por olhar para a parede e ver um Cristo pregado na cruz, acredita, em boa verdade, que as mesmas criancinhas não têm capacidade própria de escolha e autonomia da vontade.

5. Foi, efectivamente, o Povo quem colocou os crucifixos na paredes. O Estado é o Povo. É o Povo, enquanto nação, que compõe o Estado. Sem Povo o Estado nada é, como decorre das mais elementares lições de Ciência Política.

6. Quando referi que se podia verficiar «a breve trecho, uma situação como a vivida em França.» não tinha em mente os recentes acontecimentos de violência urbana, mas a discussão em torno da lei que proibiu a qualquer pessoa o uso de símbolos religiosos. A meu ver, é aí que o Estado contende com a liberdade individual de cada um. Proibir o uso do tchádor (para os muçulmanos) ou de um crucifixo ao peito (para os cristãos) é autocrático e próprio de países como o Irão e quejandos. Não de países ocidentais em que tal uso releva da íntima liberdade humana.

Falar-se da questão do post é o mesmo que reclamar contra ter-se sido baptizado, como se a água que foi vertida na testa fosse uma ofensa. Trata-se de uma falsa questão, como tantas, destinada a evitar discutir o essencial.

Ricardo Alves disse...

Caro Rasputine (nome de um religioso russo um bocado debochado...),
vamos lá com a tua numeração.

1. Achei delicioso porque é muito verdadeiro, pelo menos para certos políticos.

2. A Católica é uma universidade privada. Não conheço ninguém que defenda que se retirem os crucifixos das escolas privadas, das igrejas, ou das casas das pessoas. Que confusão...

3. Há dezenas de problemas mal resolvidos. E o caso não é para rir, antes pelo contrário. Há um caso (que até veio nos jornais) de um pai que anda há quatro anos a pedir para tirarem os crucifixos da escola dos filhos. Sem sucesso. Há outro, de uma mãe que por tentar que os filhos não participassem nas cerimónias religiosas que têm lugar dentro da escola (pública) foi apontada a dedo pelo professor de Religião e Moral (católica), que sugeriu aos seus alunos que não brincassem com os filhos da senhora. E há mais, muito mais...

Ricardo Alves disse...

4. Um crucifixo não é um símbolo religiosamente neutro: é propaganda religiosa. Ao impô-lo aos alunos, na escola pública e no período de escolaridade obrigatória, está-se a impor uma religião a alunos que têm o direito de ter outra religião ou nenhuma.
Ah, e eu concordo que o Estado não dê privilégio algum à ICAR. Infelizmente, basta ler o artigo 58º da Lei da Liberdade Religiosa para ver que esta Lei não se lhe aplica.

5. O Estado Novo não era o povo. Aliás, raramente se consultou o povo nos anos 30. A Lei que colocou os crucifixos nas paredes não fala do povo. Fala da Constituição (a outra, a de 1933), do livro único, da criação da Mocidade Portuguesa, e também da obrigação de em cada escola haver um crucifixo.

Ricardo Alves disse...

6. É evidente que proibir o uso, pelas pessoas, de símbolos religiosos (mesmo que apenas os «ostensivos» e apenas nos serviços públicos, como a escola pública) é uma limitação à liberdade individual. No entanto, na França de 2004, fez todo o sentido. Os problemas que se começavam a acumular eram tantos (recusa do ensino da educação sexual, do «Holocausto» e da teoria da evolução; recusa de ser examinado por um professor do sexo oposto; recusa de frequentar as aulas de ginástica e de natação; recusa das meninas em brincarem com os meninos; confontos físicos entre judeus e muçulmanos; nos bairros, insultos e agressões às raparigas que não usavam véu, mesmo que não fossem muçulmanas; etc...) que foi a única maneira que sobrou para os controlar.
Já tive esta polémica neste blogue:
http://esquerda-republicana.blogspot.com/2005/06/balanando.html
Quanto à comparação com o Irão e quejandos, é de mau gosto. Nesses países, metem-se pessoas na prisão ou fuzilam-se mesmo as mulheres que não querem usar o véu.
Finalmente, é evidente que os pais têm o direito de educar os filhos na religião que entenderem, inclusivamente baptizá-los. O Estado é que não tem o direito de impor uma religião aos alunos da escola pública.

Pedro Viana disse...

É sempre melhor tarde do que nunca. Alegre tem-se revelado um verdadeiro "político", no que a palavra tem de insulto: só diz vacuidades; navega à vista das sondagens; diz (e não diz) o que fôr preciso para não ferir susceptibilidades no que pensa ser a sua "base eleitoral" - o povão "patriótico, que gosta de Fátima, Futebol e Fado". Bem aventurado seja quem abre os olhos.