sexta-feira, 15 de julho de 2005

O que fazer?

O que fazer face ao terrorismo islâmico?

A resposta à pergunta necessita de um esforço prévio de compreensão dos objectivos dos jihadistas, um exercício que constitui, para estalinistas de direita como Pacheco Pereira, nem mais nem menos do que uma «traição» (sic!). Mas quem não compreende aquilo que combate arrisca-se a errar o alvo...

Xavier Arzalluz (o líder histórico do Partido Nacionalista Basco) dizia, a propósito do terrorismo da ETA, que «uns abanam as àrvores e outros recolhem os frutos». Referi anteriormente que a Al-Qaida não se assumia como o braço armado de uma organização civil com a qual se pudesse negociar. Isto é só parte da verdade, pois a Al-Qaida partilha os seus objectivos e ideologia, genericamente, com a Irmandade Muçulmana, uma organização pela qual passaram muitos dos seus militantes. Portanto, teoricamente a Irmandade poderia fornecer interlocutores civis para uma negociação.

A primeira reivindicação dos terroristas poderia ser satisfeita: a retirada das tropas «ocidentais» do Iraque e restantes países muçulmanos. Evidentemente, tal não acontecerá, quer porque pareceria uma cedência ao terrorismo (e tanto a guerra do Afeganistão como a do Iraque foram feitas na presunção, errada, de que o terrorismo é derrotável através de guerras convencionais), quer porque há interesses petrolíferos a preservar e os regimes implantados no Iraque e no Afeganistão dificilmente sobreviverão sem apoio militar exterior. A prazo, a estratégia de confronto estado-unidense continuará a alimentar a Al-Qaida.

Seriam possíveis outras abordagens. Nomeadamente, isolar diplomaticamente os regimes teocráticos (Arábia Saudita, Estados do Golfo) e ajudar aqueles em que se registam progressos na direcção da democracia e da laicidade (aceitando a Turquia na UE e acenando a Marrocos com um estatuto de parceria, por exemplo). A dependência do petróleo impede que se efective a primeira parte desta estratégia, o que torna uma prioridade geopolítica encontrar alternativas energéticas ao petróleo.

Finalmente, o campo de acção onde se poderá avançar sem grandes constrangimentos é, obviamente, interno. É necessário induzir a criação de um islão reformado nos países europeus. Para o fazer, devem deixar-se de lado os fantasmas do «choque das civilizações» (a ideia, culturalista, de que os princípios democráticos e laicistas são «ocidentais» e intransmissíveis) e os complexos do multiculturalismo diferencialista (que afirma o mesmo, e que portanto justifica a diferença de direitos e o separatismo étnico nas cidades europeias). Estando os outros campos de acção bloqueados, a integração dos imigrantes, como cidadãos individuais que podem alterar o modo como vivem a sua religião ou mesmo abandoná-la, torna-se o processo mais eficaz de demonstrar que os muçulmanos podem viver em democracia.

5 comentários :

Pedro Viana disse...

Excelente análise. Mas duvido que a acção interna nos países ocidentais tenha grande sucesso na diminuição do apoio ao terrorismo islâmico. Como muito bem é dito, essa acção tem que passar por duas vias: apelar à razão e à emoção. No primeiro caso é necessário que imãs e teólogos muçulmanos continuem a contestar a interpretação do Islão como uma religião/ideologia agressiva, contrapondo uma imagem mais pacífica do Islão, em que a Jihad é antes de mais um processo interior do indivíduo. No segundo caso é necessário fazer um esforço maior de integração dos indivíduos e comunidades de origem islâmica nas sociedades ocidentais, apelando à sua contribuição na criação de uma sociedade mais livre e justa. Quanto mais um indivíduo se sente como pertencente a uma dada comunidade, no limite a toda a sociedade, mais hesitará em atacá-la. Quando alguém se sente parte duma comunidade, parte da sua identidade deriva disso. Portanto, atacá-la seria como atacar-se a si.

Porque é que acho que nenhum destes processos terá grande êxito? Porque aqueles que se tornarão terroristas islâmicos sentem-se membros duma comunidade que extravassa as fronteiras nacionais. A religião islâmica é a mais igualitarista de todas, e valoriza imenso o sentido de pertença à comunidade de crentes. É em muitos aspectos extremamente semelhante ao comunismo, nomeadamente no seu carácter militantemente transnacional. Daqui resulta que não adiantará de muito tentar integrar alguém de religião islâmica numa dada sociedade nacional se ele continuar a sentir que a sua comunidade transnacional de crentes continua sob ataque. Os seus sentimentos de lealdade para cada uma das comunidades serão postos à prova, e muitos continuarão a sentir que para eles a comunidade mais importante é a que tem carácter mais universal. Infelizmente, enquanto continuarem as condições internacionais que levam aqueles que professam a religião muçulmana, em particular os árabes, a sentirem-se, e à sua comunidade, humilhados, o terrorismo de raiz islâmica irá continuar. Mais perigoso ainda, é que continuando esta situação, números significativos de jovens ocidentais (sem ascendência islâmica) se sintam atraídos pelo forte sentimento de comunidade solidária depreendido das acções terroristas. Se forem ler as razões porque em décadas anteriores jovens se associaram a terroristas, entre elas vão encontrar de forma proeminente o sentido de pertença a um grupo intensamente solidário, e em luta contra o exterior. O Islão pode começar a ser visto cada vez mais como uma forma de dar sentido à vida, numa sociedade cada vez mais egoísta e vazia de objectivos. O Islão, como ideologia que não depende da fabilidade humana como justificação (e por isso é uma religião), pode potencialmente tornar-se numa ideologia ainda mais mobilizadora e destruidora do que foi o comunismo, porque mais manipulativa, ainda mais baseada na emoção do que na razão. O único obstáculo é que no âmbito do Islão, exactamente por ser uma religião, a razão, o conhecimento científico, e portanto a tecnologia, são muito mais desprezados do que no âmbito duma ideologia, como o Comunismo.

Anónimo disse...

Brilhante análise como sempre Ricardo, e muito esclarecedora.

Anónimo disse...

Não só estou de caordo como aplaudo particularmente o último parágrafo.

No entanto, não me oponho à repressão a todas as organizações que apelem ao terrorismo e à violência, sejam mesquitas, sinagogas, igrejas ou clubes de empresários.

Anónimo disse...

Quer-me fazer parecer que a abordagem de JPP é uma máscara para a completa ausência de abordagem ou interpretação. É um problema muito complicado e que fará muitas "vítimas" historiadoras... O alheamento é uma brilhante estratégia para não correr riscos de análise errónea.

De resto, concordo com o Ricardo Alves. Se há arma de combate que a Europa poderá usar é o do contágio cultural de valores seculares e de cidadania, acessível apenas numa abertura democrática honesta.

Anónimo disse...

Caro Pinto Ribeiro,
essa teoria já foi chão que deu uvas...
...é claro que toda a gente sabe que todos os grupos terroristas, não são mais , que meros braços armados das democracias ocidentais neo-liberais.
Toda a gente sabe que o 11 de Setembro foi uma coisa inventada pelos EUA (bem como, a ida à Lua).
Toda a gente sabe, que o terroristas palestinianos estão encapuçados, porque na verdade, são militares neo-liberais israelitas.
Cumprimentos e Xanax,
Daniel