segunda-feira, 30 de maio de 2005

«Creationism: God's gift to the ignorant»

«Science feeds on mystery. As my colleague Matt Ridley has put it: “Most scientists are bored by what they have already discovered. It is ignorance that drives them on.” Science mines ignorance. Mystery — that which we don’t yet know; that which we don’t yet understand — is the mother lode that scientists seek out. Mystics exult in mystery and want it to stay mysterious. Scientists exult in mystery for a very different reason: it gives them something to do.
Admissions of ignorance and mystification are vital to good science. It is therefore galling, to say the least, when enemies of science turn those constructive admissions around and abuse them for political advantage. Worse, it threatens the enterprise of science itself. This is exactly the effect that creationism or “intelligent design theory” (ID) is having, especially because its propagandists are slick, superficially plausible and, above all, well financed.
(...)
To suppose that the eye with all its inimitable contrivances for adjusting the focus to different distances, for admitting different amounts of light, and for the correction of spherical and chromatic aberration, could have been formed by natural selection, seems, I freely confess, absurd in the highest degree.” You will find this sentence of Charles Darwin quoted again and again by creationists. They never quote what follows. Darwin immediately went on to confound his initial incredulity. Others have built on his foundation, and the eye is today a showpiece of the gradual, cumulative evolution of an almost perfect illusion of design. The relevant chapter of my Climbing Mount Improbable is called “The fortyfold Path to Enlightenment” in honour of the fact that, far from being difficult to evolve, the eye has evolved at least 40 times independently around the animal kingdom.
(...)
Many evolutionary transitions are elegantly documented by more or less continuous series of changing intermediate fossils. Some are not, and these are the famous “gaps”. Michael Shermer has wittily pointed out that if a new fossil discovery neatly bisects a “gap”, the creationist will declare that there are now two gaps!
(...)
Ignorance is God’s gift to Kansas.»
(Richard Dawkins; artigo na íntegra).

O dia seguinte

Quando se coloca uma questão a referendo, existem dois resultados possíveis: «sim» e «não».
Esta lapalissada serve para recordar que quem anda à chuva molha-se. Agora, não desqualifiquem o voto dos franceses com os argumentos incríveis que se ouvem e lêem por aí.
O rumo da União Europeia deve ser aquele que os cidadãos escolherem, não o que as elites quiserem impôr. Quem não compreendeu isto será talvez um bom europatriota, mas será um democrata, no mínimo, duvidoso.
Tenho fundadas dúvidas sobre as consequências positivas, para a República portuguesa, do «não» francês. Espero, no entanto, que da noite de ontem saia uma recomposição da esquerda francesa. Depois, talvez haja outro rumo para a Europa.

sexta-feira, 27 de maio de 2005

Les jeux seront faits

Já no Domingo, se se confirmarem as sondagens que nos últimos dias chegam a conferir dez pontos percentuais de vantagem ao «non», a cidadania francesa deverá rejeitar o Tratado constitucional.
Existe quem, como o meu amigo Filipe Moura, esteja muito preocupado com as consequências. Nos argumentos de alguns europeístas, existe uma espécie de «nacionalismo europeu» incondicional que cega e interdita qualquer crítica ao rumo que a União Europeia siga, seja ele qual for. Como não abdico facilmente do meu sentido crítico, a minha adesão a qualquer projecto político, europeu ou não, é sempre condicional: não aceito transigências em modelos de regime. Se a União Europeia for ademocrática, não social e antilaicista, serei sempre contra. Sendo este o caminho do Tratado constitucional, votarei «não».
O meu desejo seria que, após rejeições em cadeia do Tratado, as elites europeias decidissem convocar uma Assembleia Constituinte europeia, seguindo o modelo português de 1975-76. Infelizmente, temo que o resultado, a prazo, do referendo francês (e mesmo do holandês, logo a seguir) seja a criação de uma cláusula de excepção para a França (e de outra para a Holanda). Efectivamente, a declaração nº30 anexa ao Tratado prevê que, se no dia 1 de Novembro de 2006, 20 dos 25 Estados o tiverem ratificado, o Conselho europeu se reunirá para examinar a questão. Presumivelmente, acontecerá o mesmo que em crises anteriores: uma cláusula de excepção para cada país relapso, e novos referendos se necessário.
Este cenário talvez não se verifique se o Tratado for rejeitado noutro grande país, como o Reino Unido ou mesmo a Polónia, mas não acredito que uma raposa como Blair arrisque um referendo, e o «nie» polaco será baseado, prevejo eu, em razões opostas às minhas.
Nós, portugueses, dificilmente votaremos «não» num referendo que me continua a parecer duvidoso. E um dos aspectos mais gravosos do Tratado, a diminuição do peso dos pequenos países no Conselho europeu, jamais será revisto a pedido de um dos grandes. A única hipótese seria que o «non» francês fosse a primeira de muitas negativas, mas seria voluntarista confiar nisso. Estamos, portanto, lixados.

«Quem me dera aquele ateísmo antigo»

«"Não acreditar em Deus não é desculpa para alguém ser visceralmente anti-religioso ou ingenuamente a favor da ciência", diz Dylan Evans, um palestrante sobre robótica da Universidade de West England em Bristol.
Evans escreveu um artigo de opinião para The Guardian, de Londres, ridicularizando o ateísmo obsoleto do "século 19" de pensadores ilustres como Richard Dawkins e Jonathan Miller, propondo em seu lugar um ateísmo novo, moderno, que "valorize a religião, trate a ciência como simples meio para um fim e descubra o significado da vida na arte". Na verdade, diz ele, a própria religião deve ser compreendida como "uma espécie de arte que só uma criança tomaria como real e só uma criança rejeitaria como falsa". A posição de Evans se ajusta com perfeição à daquele filósofo da ciência americano, Michael Ruse, cujo novo livro, The Evolution-Creation Struggle (Harvard University Press, 2005), deposita boa parte da culpa para o crescimento do criacionismo na América - e para as tentativas cada vez mais estridentes da direita religiosa para ejetar a teoria evolucionista do currículo e substituí-la pelo novo dogma do "plano inteligente" - na porta dos cientistas que tentaram competir com a religião e até mesmo suplantá-la. Apesar de evolucionista convicto, ele é, contudo, um crítico contundente de gigantes modernos como Dawkins e Edward O. Wilson.
O "ateísmo light" de Evans, que tenta negociar uma trégua entre visões de mundo religiosas e não religiosas, é tão facilmente desmontável quanto os blocos de construção de brinquedo com os quais, ele de maneira reveladora nos diz, essas idéias deveriam ser construídas: "O ateísmo devia ser mais como um conjunto de blocos de Lego do que como um brinquedo pré-montado." Essa trégua só teria chance de funcionar se fosse recíproca - se as religiões mundiais aceitassem valorizar a posição do ateu e reconhecer sua base ética, se elas respeitassem as descobertas e conquistas da ciência moderna, mesmo quando essas descobertas desafiam santidades religiosas, e se aceitassem que a arte, no que ela tem de melhor, revela os múltiplos significados da vida ao menos tão claramente quanto os textos dito "revelados". Não existe um acordo recíproco como esse, porém, nem tampouco a menor chance de que semelhante acomodação possa ser alcançada.
Entre as verdades consideradas evidentes por si mesmas pelos seguidores de todas religiões está a de que o não-reconhecimento da divindade é equivalente à amoralidade e a ética requer a presença sustentadora de algum tipo de árbitro supremo, alguma espécie de absoluto sobrenatural sem o qual secularismo, humanismo, relativismo, hedonismo, liberalismo e toda a sorte de impropriedades permissivas inevitavelmente atrairão o infiel para caminhos imorais. Para aqueles de nós que estão perfeitamente preparados para tolerar os vícios acima, mas ainda se acreditam seres éticos, a posição de que a descrença na divindade equivale à imoralidade é muito dura de engolir.
Tampouco o comportamento corrente da religião organizada desperta confiança na atitude de laissez-faire de Evans/Ruse. Em toda parte, a educação está sendo seriamente ameaçada por ataques religiosos. Nos últimos anos, nacionalistas hindus na Índia tentaram reescrever os livros de História do país em respaldo à sua ideologia antimuçulmana, um esforço que só foi frustrado pela vitória eleitoral de uma coalizão secularista liderada pelo Partido do Congresso. Enquanto isso, vozes muçulmanas em todo o mundo - na Turquia, a criacionista islâmica BAV,de Bilim Arastirma Vakfi ou Fundação para a Pesquisa Científica, é um exemplo clamoroso - alegam que a teoria evolucionista é incompatível com o Islã.
E nos Estados Unidos a batalha sobre o ensino do plano inteligente em escolas americanas atinge um ponto crítico no momento em que a União para as Liberdades Civis Americana se prepara para levar os proponentes do plano inteligente a um tribunal da Pensilvânia.
Parece inconcebível que um melhor comportamento por parte dos grandes cientistas mundiais, do tipo que Ruse gostaria, seria capaz de persuadir essas forças a recuar. O plano inteligente, idéia elaboradade trás para diante para forçar a velha idéia de um Criador na beleza da criação, está tão solidamente enraizada na pseudociência, tão cheia de falsa lógica e é tão fácil de atacar que parece demandar um pouco de severidade.
Seus defensores argumentam, por exemplo, que a absoluta complexidade e perfeição de estruturas celulares/moleculares é inexplicável pela evolução gradual. No entanto, as múltiplas partes de sistemas biológicos complexos e entrelaçados evoluem juntas, gradualmente se expandindo e se adaptando - e, como Dawkins mostra em O Relojoeiro Cego (1986), a seleção natural age em cada etapa desse processo.
No entanto, assim como os argumentos científicos, há outros que são mais, bem... novelísticos. Que tal o plano malfeito, por exemplo? Teria sido assim tão inteligente inventar um canal natal ou uma próstata? Depois, há o argumento moral contra um planejador inteligente que amaldiçoou suas criações com câncer e aids. Seria o planejador inteligente amoralmente cruel também? Ver a religião como"uma espécie de arte", como Evans candidamente propõe, só é possível quando a religião está morta ou quando, como a Igreja da Inglaterra, ela se tornou um conjunto de rituais polidos. A velha religião grega vive como mitologia, a velha religião nórdica nos deixou os mitos nórdicos e, sim, agora os podemos ler como literatura.
A Bíblia contém grande literatura também, mas as vozes literalistas do cristianismo se tornam cada vez mais altas e é duvidoso que elas recomendariam a abordagem de livro infantil de Evans. Enquanto isso,as religiões continuam atacando seus artistas: pinturas de artistas hindus são atacadas por rebeldes hindus, peças sikhs são ameaçadas pela violência sikh e romancistas e cineastas muçulmanos são ameaçados por fanáticos islâmicos com um vigoroso não-reconhecimento de qualquer parentesco.
Se a religião fosse um assunto privado, as pessoas poderiam facilmente respeitar o direito de seus crentes a buscar seus confortos e sua nutrição espiritual. Mas a religião é hoje um grande negócio público, usando uma organização política eficiente e tecnologia da informação de ponta para promover seus fins. As religiões jogam duro o tempo todo, mas pedem em troca um tratamento com luvas de pelica.
Como Evans e Ruse fariam bem em admitir, ateus como Dawkins, Miller eWilson não são nem imaturos nem culpáveis por combater tais fanáticos. Eles estão fazendo uma coisa vital e necessária
(Este artigo de Salman Rushdie foi publicado originalmente no New York Times; reproduzo aqui a versão de O Estado de S. Paulo, 22/5/2005).

quarta-feira, 25 de maio de 2005

República da Grã-Bretanha

A tão enaltecida democracia reino-unidense impediu os seus súbditos, até Junho de 2003, de serem republicanos. Leu bem, caro leitor! Foi nessa data que os tribunais reconheceram que a Lei dos Direitos Humanos de 1998 (1998!) invalidava uma lei de 1848 que castigava com a prisão perpétua quem defendesse a abolição da monarquia. No entanto, nas últimas eleições a comissão eleitoral recusou-se a aceitar candidaturas com o título «"Monarchy is Racist, End Monarchy Referendum" party» (deve acrescentar-se que tanto o «Monster Raving Loony Party» como vários partidos fascistas foram aceites pela mesma comissão).
Actualmente, existem dois grupos sérios em campanha por uma República da Grã-Bretanha: Republic e The Centre for Citizenship. (Para abordagens mais iconoclastas, recomendo ao leitor os anarquistas do Ma´m ou o sarcasmo do Throne Out.)
É refrescante ler os argumentos de qualquer um dos sítios referidos. Demonstra que até numa sociedade com tantas mesuras e deferências como a inglesa existem pessoas desassombradas dispostas a desafiar as hierarquias hereditária, eclesiástica e classista que ali se perpetuam. Se há republicanos no Reino Unido, ainda há esperança para o mundo.

Cisão na social-democracia?

A pior consequência, para a Europa Ocidental, da queda das ditaduras comunistas foi a viragem à direita dos partidos da Internacional Socialista. Actualmente, quase todos aceitam o consenso neoliberal imposto pela União Europeia. Felizmente, as últimas notícias indicam que chegou o momento de um realinhamento das esquerdas em torno de uma plataforma social-democrática. Na França, o referendo sobre o Tratado constitucional está a juntar a ala esquerda do PSF aos republicanos de esquerda e aos vários grupúsculos marxistas no «não de esquerda». Na Alemanha, Oskar Lafontaine, o ex-ministro das Finanças que rompeu com Gerhard Schröder em 1999, abandonou o SPD e manifestou-se disponível para integrar uma coligação entre o WASG (dissidentes do SPD) e os comunistas «renovados» do PDS. Lafontaine poderá arrastar consigo a base sindical do SPD, alienada pelo desmantelamento do Estado-previdência que Schröder pretende aprofundar após as eleições de Setembro. O surgimento, na França e na Alemanha, de uma esquerda social-democrata radicalizada, seria o terramoto político do ano, com consequências interessantes para o futuro do espaço europeu.

terça-feira, 24 de maio de 2005

A ofensiva clerical contra a APF desmontada

«Fim da educação sexual, já. É o que se lê num comunicado do movimento Juntos Pela Vida, que exige "a imediata recolha do material didáctico já distribuído e o imediato cancelamento deste programa para investigação". Vai no mesmo sentido uma petição da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN)
(...)
o artigo do Expresso apresenta como uma das principais fontes um estudo efectuado por "João Araújo, professor universitário e pai de quatro crianças", sobre "o programa oficial de ES". João Araújo é membro do movimento Juntos pela Vida, aspecto que o semanário não cita mas que o próprio confirmou ao DN.
Tanto a APF como o ministério da Educação já reagiram, frisando a inexistência de "qualquer programa oficial de ES". A APF é uma das três associação que tem assinado protocolos sucessivos com o ministério no sentido de efectuar formação nesta área - formação essa que, no caso da APF, incide sobretudo nos professores. As outras duas associações a trabalhar na ES são o Movimento de Defesa da Vida e a Fundação Comunidade Contra a Sida. Estas duas colaborações não são mencionadas no artigo do semanário.
Quanto ao estudo efectuado por João Araújo, consistiu em, segundo diz, "ler o livro que o Ministério da Educação mandou para as escolas". O livro em causa, Educação Sexual em Meio escolar - Linhas Orientadoras , é citado no comunicado do Juntos pela Vida como tendo sido "encomendado" à APF. Na verdade, foi editado em 2000 pelos ministérios da Educação e da Saúde, em colaboração com a APF e a Rede de Escolas Promotoras de Saúde e consiste numa filosofia de base para a área, sem exemplos concretos. Foi na secção de bibliografia, no que considera obras "recomendadas" - mais concretamente em dois manuais espanhóis - que Araújo colheu a maioria dos exemplos e a totalidade das ilustrações que o Expresso apresenta no artigo em causa como integrando "manuais de apoio aos professores" e "documentação oficial". São esses "os aspectos que mais o chocaram" e que Araújo apresenta em sessões de esclarecimento que terá efectuado pelo País, embora reconheça "não saber se os livros que cita são usados em alguma escola portuguesa".
(...)»
(Diário de Notícias)

Cuidado: Hirsi Ali pode ser indigesta para a direita clerical

O blogue O Insurgente descobriu a ateia de origem somali Ayaan Hirsi Ali. Um dos autores desse blogue fez mesmo um artigo destacando uma entrevista de Hirsi Ali que eu não conhecia, o que desde já agradeço. No entanto, temo que a nossa «direita liberal», que raramente critica o clericalismo católico, esteja a dar um tiro no pé. Se não me acreditam, vejam bem o que diz esta brava mulher na entrevista referida:
«L'Occident devrait se comporter avec l'islam comme la France jadis a réglé ses relations avec l'Eglise catholique. La laïcité a l'avantage d'être un modèle très clair, à la fois pour les Eglises et pour l'Etat neutre. Notre système n'est pas clair. Nous avons des partis chrétiens, y compris extrémistes, représentés au Parlement. La Constitution autorise les écoles religieuses et, bien sûr, l'islam tire avantage de cette ambiguïté. C'est pourquoi je soutiens l'interdiction du port des signes religieux à l'école, qui doit être un espace de neutralité. Pour y parvenir, les Pays-Bas devraient changer leur Constitution. Il faut une majorité des deux tiers au Parlement, et la gauche et les libéraux sont d'accord sur le principe.
(...)
On ne naît pas arriéré, avec une religion dans la tête. L'école doit avoir pour ambition de préparer les enfants à la vie dans une société moderne, fondée sur l'esprit critique, à un apprentissage de la citoyenneté plutôt qu'à l'appartenance tribale. Le seul moyen d'empêcher des adultes de croire que, hors de l'islam, il n'y a point de vérité, c'est de mettre fin aux écoles religieuses, musulmanes ou chrétiennes.»
Hirsi Ali defende muito claramente a laicidade, quer contra o fanatismo islâmico quer contra o fundamentalismo cristão. É contra as escolas religiosas subsidiadas pelo Estado. Não compreendo como isto se coaduna com o catecismo «liberal clássico» dos «Insurgentes».

Revista de imprensa (24/5/2005)

  1. Na Monthly Review, uma biografia política de Albert Einstein: pacifista, anti-racista, sionista, socialista, militante da esquerda radical germânica nos tempos da Grande Guerra e da esquerda radical norte-americana nos anos da Guerra Fria.
  2. Nunca fui muito entusiasta do «non-overlaping magisterium» que Stephen Jay Gould propunha para as relações entre ciência e religião. Na verdade, sempre me pareceu ingénuo esperar que uma igreja como a ICAR não se pronunciasse sobre matérias do domínio científico. As polémicas recentes sobre investigação em células estaminais demonstraram que, mesmo pronunciando-se apenas sobre questões éticas, os clericais interferem com a ciência, conforme descrito neste debate.
  3. Finalmente, a defesa de George Galloway (o deputado britânico que foi eleito em Bethnal Green and Bow) perante o senado norte-americano, onde foi acusado de ligações ao regime de Saddam Hussein.
(Artigos descobertos através da Political Theory Daily Review.)

segunda-feira, 23 de maio de 2005

A campanha contra a APF

A partir de uma notícia tendenciosa e mal informada do Expresso, desencadeou-se uma campanha caluniosa contra a Associação para o Planeamento da Família (APF). O objectivo principal é, claramente, o de denegrir uma associação que tem feito um trabalho sério e valioso na promoção do planeamento familiar. Pretende-se, particularmente, atacar a própria ideia de educação sexual na escola.
Quais são os factos?
A notícia do Expresso afirma que se pede aos alunos para «colorirem» as partes do corpo em que gostam de ser tocados, que se encoraja a masturbação e que se banalizam os casais homossexuais.
É isto verdade?
A APF negou que os manuais reproduzidos na notícia fossem recomendados por esta associação (Público, RTP, A Capital). Aliás, um deles apareceria apenas indicado na bibliografia. E negou que se incentivasse os alunos a terem comportamento sexuais, fossem eles quais fossem. Mais, na realidade não existe qualquer «programa» de educação sexual, o que me parece óbvio quando não há um espaço lectivo próprio. Existem umas meras «linhas orientadoras». Não é claro quantas escolas do país aplicam as tais «linhas directoras», e se nos recordarmos que Mariana Cascais ainda há pouco era Secretária de Estado e achava que a educação sexual deveria ser opcional, devem efectivamente ser muito poucas. Muito curioso é que o Expresso não tenha ouvido a APF antes de publicar a notícia. A notícia de A Capital (na parte não disponível na internete) refere um aspecto muito interessante: os «agrupamentos escolares» têm autonomia para decidir estas matérias, ao abrigo da «autonomia escolar». Os fanáticos da «escola descentralizada» e «próxima das comunidades» teriam portanto alguma responsabilidade, se os factos se confirmassem.
No entanto, a extrema direita católica já reagira, rapidamente. Poucas horas depois da notícia do Expresso, já existia uma petição exigindo a suspensão do «programa» de educação sexual, que esta passasse a ser opcional e que fossem apresentadas desculpas públicas...
Resumindo: de uma tempestade num copo de água os católicos ultraconservadores estão a conseguir fazer uma bola de neve. E como a fé concede essa graça muito particular que consiste em não ouvir os argumentos da outra parte, estão imparáveis. Blogues como este estão activíssimos, imunes aos desmentidos factuais, e a citarem Nuno Serras Pereira com todo o desvelo. A discussão séria, infelizmente, não é apanágio da blogo-esfera.

sexta-feira, 20 de maio de 2005

Bush recebe estrela porno

«(LOS ANGELES, CA) -- Porn star and former gubernatorial candidate Mary Carey will be joining her boss, Kick Ass Pictures president Mark Kulkis, in attending a dinner with President Bush in Washington, D.C. on June 14th. Kulkis was invited to attend the event by the National Republican Congressional Committee (NRCC), which is organizing the event.
(...)
"I'm honored to be invited to this event," Kulkis said. "Republicans bill themselves as the pro-business party. Well, you won't find a group of people more pro-business than pornographers. We contributed over $10 billion to the national economy last year."
"I'm especially looking forward to meeting Karl Rove," Carey added. "Smart men like him are so sexy. I know that he's against gay marriage, but I think I can convince him that a little girl-on-girl action now and then isn't so bad!"

(...)»
Notícia

Pode ser «não» em dois países, nas próximas duas semanas

  1. Na França, as sondagens para o referendo (29/5) sobre o Tratado constitucional dão o «não» novamente à frente há quase uma semana.
  2. Na Holanda, o «não» está também à frente nas sondagens para um referendo (1/6) sobre o Tratado que será consultivo.

quinta-feira, 19 de maio de 2005

O problema islamista

Através de uma referência d´«O Acidental», descobri um artigo da Der Spiegel sobre os assassinatos «por honra» que vitimam raparigas de origem turca ou árabe na Alemanha.
A estória começa a ser recorrente: muitas famílias de imigrantes de cultura muçulmana casam as filhas, ainda adolescentes, com jovens da mesma origem. Muitas vezes, a rapariga nem pode dizer «não». As que dizem «não», ou que abandonam os maridos, arriscam-se a ser assassinadas, como acontece às que têm relações sexuais antes do casamento. O artigo refere seis assassinatos, aparentemente nestas circunstâncias, só em Berlim e apenas nos últimos quatro meses. Parece também indubitável que, das mesquitas de garagem aos adolescentes muçulmanos do sexo masculino, existe muito quem justifique moralmente estes assassinatos, em nome do islamismo.
E no entanto, estas raparigas só queriam gozar de liberdades que os europeus tomam por adquiridas: o direito de escolher o parceiro sexual; o direito de ter relações sexuais fora do casamento. Em suma, o direito à autodeterminação sexual, sem querer saber do Estado nem de religiões. Infelizmente, alguma esquerda desorientada não consegue denunciar estes fanatismos religiosos, porque assume, erradamente, que seria racista criticar aspectos de uma cultura minoritária. Todavia, racismo é o contrário: é aceitar a limitação dos direitos humanos e cívicos de indivíduos educados numa cultura minoritária devido à origem «estrangeira» dessa cultura. Quem não compreende isto, renega toda a tradição da esquerda que visava emancipar os cidadãos das opressões grupais justificadas a partir de tradições culturais e religiosas.
Aquelas raparigas são cidadãs antes de serem muçulmanas. O perigo vem justamente de esquecer isso. E deve ser denunciado, como se faz em relação ao fanatismo católico, sem qualquer sombra de complacência.

terça-feira, 17 de maio de 2005

«Free Inquiry» de Abril/Maio

Foram recentemente disponibilizados no Council for Secular Humanism alguns artigos da Free Inquiry de Abril/Maio.
Num mundo repleto de clericais fanáticos e obscurantistas que nos impõem símbolos religiosos, superstições absurdas e leis de inspiração religiosa, e que nos chamam «intolerantes» ou «totalitários» quando esboçamos um protesto, poucas publicações existem mais revigorantes para a sanidade mental de um ateu laicista e racionalista do que a Free Inquiry.
De entre os artigos incluídos na edição electrónica, destaco:
  1. Do lado mais político, «Putting to Rest the 'Christian Nation' Myth» (uma defesa da natureza originalmente laica dos EUA) e «Why Biblical Religions Are an Obstacle to Freedom» (uma explanação de como a liberdade não é um valor bíblico, antes pelo contrário);
  2. Do lado da defesa de uma cultura científica e racionalista, duas grandes referências do humanismo secular, Richard Dawkins e Christopher Hitchens, escrevem sobre as dificuldades dos religiosos em lidarem com o Tsunami e as suas implicações filosóficas.
P.S.(F.?) Vou incluir o P.S.F. na lista de linques. É essa a primeira consequência do Politest.Um partido em que 40% dos militantes votaram contra o Tratado constitucional neoliberal e clerical não pode ser mau de todo.

Ainda o Politest

O Filipe Moura chamou-me a atenção para o facto de que já me tinha desafiado a responder ao teste referido no artigo anterior. É verdade (desculpa lá, pá!). (Ao Filipe deu-lhe: 1º, PRG; 2º, MRC).
No Barnabé, o Rui Tavares e o Daniel Oliveira deram em Verdes (salvo seja) com nuances PSF no primeiro caso e PCF no segundo. A Palmira é PRG com nuances PSF.
Continuo sem saber as respostas do Miguel Duarte e do Luís Lavoura. Desafio o Carlos Esperança, o Filipe de Castro, o Luís Rodrigues e o Alexandre Andrade a responderem também ao Politest. Os leitores deste blogue que não escrevam num blogue podem usar a caixa de comentários para comunicar os resultados. Façam-no, isto é divertido.
Continuo a achar misteriosa a ausência, no Politest, de uma questão directa sobre temática europeia.

segunda-feira, 16 de maio de 2005

A minha posição no xadrez político francês

Através desta referência, encontrei um teste divertido que apregoa poder situar politicamente as pessoas (esquerda/direita e partido político francês) em catorze perguntas. Eis os resultados:
«Vous vous situez à gauche.
Aucun parti ne correspond exactement à vos opinions. Cependant, les partis dont vous êtes le plus proche (dans l'ordre):
1. le Parti Socialiste mais vous êtes plus ouvert sur les questions liées à l'évolution des moeurs. Lors d'un référendum interne, les militants du Parti Socialiste se sont prononcés à 59% POUR la Constitution européenne. (L'aile droite du parti était en général POUR, l'aile gauche du parti, ainsi que Laurent Fabius et ses partisans, étaient CONTRE, le reste du parti était divisé).
2. le Mouvement Républicain et Citoyen (MRC) de Jean-Pierre Chevènement mais vous êtes plus ouvert sur les questions liées à l'évolution des moeurs. Le MRC est CONTRE la Constitution européenne.
3. le Parti Radical de Gauche (PRG) Le PRG est plutôt POUR la Constitution européenne.
Le parti qui vient ensuite:
4. les Verts mais vous ne partagez pas la même opinion sur l'importance de la responsabilité personnelle des gens. La tendance des Verts dont vous êtes le plus proche est en général plutôt POUR la Constitution européenne.»
Na realidade, se eu fosse francês o PSF seria a minha segunda escolha partidária, mas mais precisamente a sua ala esquerda, a tal que não se faz ilusões quanto à Europa. Justamente por causa da UE, a minha primeira escolha seria o MRC, e também por ser um partido que prioriza a laicidade. Nos resultados, as minhas posições naturais aparecem trocadas, desconfio que por causa da pergunta sobre o voto dos imigrantes. Quanto aos outros, não tenho nada contra o PRG (de que conheço pouco), mas não me imagino nos Verdes.
Não compreendo o porquê de este teste insistir tanto, nos resultados apresentados, no posicionamento face ao referendo sobre o Tratado, uma questão estranhamente omissa do questionário. (Uma tentativa capciosa de convencer as pessoas a votarem «pour»?)
Desafio os quinze leitores regulares deste blogue a fazerem o teste e a comentarem-no. E desafio também os liberais sociais a fazerem-no. É engraçado.

O futuro da esquerda

Numa entrevista ao Diário de Notícias, Ruben de Carvalho faz uma análise politicamente correcta do BE como fenómeno eleitoral:
«Associo o êxito do BE a dois fenómenos. Em primeiro lugar, o BE agrega um conjunto de activistas e eleitorado que vem da extrema esquerda, um eleitorado que antes do aparecimento do BE engrossou a abstenção. E, em segundo, o BE teve uma grande capacidade de atracção sobre o eleitorado de esquerda do PS. O que coincide com o crescimento do BE é a viragem à direita da política do PS
Tudo isto é essencialmente verdade, mas eu acrescentaria que o crescimento do BE não se deve apenas às dificuldades do PS em assumir posições consequentes em matérias de «costumes» (IVG, homossexuais, etc.) mas também da incapacidade do PCP em integrar essas reivindicações. O resultado é que o BE, embora se apresente a eleições com um programa cautelosamente social-democrata, tem um eleitorado muito mais «à direita» do que os seus militantes. As consequências a prazo são difíceis de prever, mas, enquanto não houver uma clarificação à esquerda, vitórias como a de 20 de Fevereiro arriscam-se a aparecer, no futuro, como meramente conjunturais. As dificuldades em constituir uma plataforma para a CML que inclua pelo menos dois partidos são um mau sintoma, e a ausência de um candidato presidencial ganhador é uma nuvem (pesada) no horizonte...

quinta-feira, 12 de maio de 2005

Se interessar aos alentejanos...

No sábado estarei em Évora, em representação da Associação República e Laicidade, para um debate sobre o Tratado constitucional europeu. O debate, às 17h30m, está integrado no Fórum Social Português.

terça-feira, 10 de maio de 2005

Campanha eleitoral no púlpito

«Americans United for Separation of Church and State today called on the Internal Revenue Service to investigate a North Carolina church whose pastor garnered national headlines after he expelled several Democrats from the congregation.
Recent actions by Pastor Chan Chandler of the East Waynesville Baptist Church in Waynesville, N.C., are merely indicative of a larger pattern of partisan political activity at the church, Americans United asserts.
Several newspapers and television stations have reported that on Oct. 3, 2004, Chandler told his congregation, "If you vote for John Kerry, you need to repent or resign." Church members told the media that prior to the election, Chandler frequently endorsed President George W. Bush from the pulpit and attacked Kerry."
Pastor Chandler seems to have confused his church with a Republican Party caucus meeting," said the Rev. Barry W. Lynn, executive director of Americans United. "It's time for the IRS to give him a swift reminder of the laws of the land."Section 26 U.S.C. 501 (c) (3) of the tax code states that houses of worship and other non-profits may "not participate in, or intervene in (including the publishing or distribution of statements), any political campaign on behalf of (or in opposition to) any candidate for public office."
In a letter sent to the IRS today, Americans United requested an investigation of the matter. AU noted that during his sermon last Sunday, Chandler was unapologetic for supporting and opposing candidates from the pulpit and promised to keep doing it.
"I believe it is obvious that Pastor Chandler has openly defied federal tax law and is vowing to do so again," Lynn wrote. "I also believe the IRS cannot afford to ignore such blatant disregard for our nation's tax laws, as it sends a signal to others religious leaders that they too can engage in partisan politicking from the pulpit without fear of sanction."»

República e Laicidade na imprensa (10/5/2005)

  1. Uma entrevista notável de Luis Mateus (Presidente da Associação República e Laicidade) ao jornal Página da Educação.
  2. Uma boa notícia no Portugal Diário: a Ministra da Educação terá decidido ordenar às escolas que retirem os crucifixos das salas de aula, e que terminem também com os rituais religiosos na escola pública.
  3. A mesma notícia aparece na TVI, que está a difundi-la nos noticiários.

segunda-feira, 9 de maio de 2005

Revista de imprensa (9/5/2005)

  1. O «não» ao Tratado constitucional europeu está à frente na Holanda, com 53% contra 47% segundo uma sondagem. O referendo será no dia 1 de Junho. Três dias depois do referendo francês, um país de dimensão média poderá dar mais um sinal do mau estar europeu com o «Tratado». Ou talvez não.
  2. Tony Blair ainda é o líder do Partido Trabalhista, apesar de Robin Cook e Frank Dobson já terem pedido explícitamente que ceda o lugar a outro, que só poderá ser Gordon Brown. Esta agonia blairiana poderá até durar dois anos, mas já é irreversível.
  3. As igrejas servem para fazer campanhas políticas e arrebanhar eleitores, e quem não está de acordo com a escolha política do líder religioso deve abandonar a igreja e ir rezar para outra paróquia. Foi isto mesmo que aconteceu a nove membros de uma Igreja Baptista na Carolina do Norte.

sexta-feira, 6 de maio de 2005

O princípio do fim para Tony Blair

A redução da maioria trabalhista no Reino Unido de 167 deputados para aproximadamente 66 significa que Tony Blair terá menos espaço de manobra num Parlamento em que os deputados raramente votam em bloco atrás dos líderes de bancada. E é um óbvio sinal de desgate. A primeira vez na sua história em que o Partido Trabalhista ganha uma terceira maioria consecutiva será também, indubitavelmente, a última maioria de Tony Blair. Provavelmente, veremos nos próximos anos Tony Blair a ceder a liderança do Governo e do Partido a Gordon Brown ou outro.
As razões para a descida dos trabalhistas, que ganham uma maioria absoluta com uns meros 36% do total nacional dos votos (as maravilhas do sistema uninonimal!) resultam principalmente da guerra do Iraque, mas reflectem também o cansaço inevitável num sistema político em que o primeiro-ministro tem mais poderes e menos limites do que em qualquer outra democracia europeia. A eleição de um dissidente dos trabalhistas em Bethnal Green and Bow é um sinal da importância da guerra para o eleitorado muçulmano.
Estando o centro-direita ocupado pelos trabalhistas, os conservadores continuam a ser um partido limitado à direita radical, sem muito espaço para crescer. Dificilmente serão poder em 2009.
Os liberais-democratas, com 23% dos votos, não chegam a ter 10% dos deputados. Mas o futuro da esquerda britânica poderá passar por uma coligação entre eles e os trabalhistas.
Faltam os resultados da Irlanda do Norte, onde nenhum destes partidos elegerá deputados.

quinta-feira, 5 de maio de 2005

As contradições do «não», «non», «no», «nein» e do mais que haja

Existem várias razões, e até contraditórias, para se ser contra o Tratado constitucional europeu. Dependendo do posicionamento político de cada um (esquerda/direita, democrata representativo/democrata participativo, soberanista/federalista, social-democrata/liberal, etc.) pode rejeitar-se o Tratado por motivos não apenas diferentes, mas mesmo opostos.
Eu, por exemplo, acho que o Tratado não é laico por incluir o artigo I-52, mas alguns católicos portugueses já argumentaram que o mesmo Tratado é uma afronta laicista por não incluir uma referência à divindade no Preâmbulo (como esses católicos convivem com o Preâmbulo da CRP é algo que gostaria de compreender...). Estas disparidades são ainda mais visíveis quando se observa o debate sobre o Tratado em diferentes países. Na França, o Tratado é considerado economicamente liberal e portanto as críticas vêm sobretudo da esquerda. No Reino Unido, a UE é vista como suspeita de regulamentar demais, e não é por acaso que a maior parte da oposição politicamente organizada vem da direita (note-se a posição intransigente dos conservadores). O número e as variações destas contradições aumentam quando se multiplica o número de países em que se oberva o debate sobre o Tratado.
Já o «sim»/«oui»/«yes»/«si»/«ja» é mais fácil. Resigna-se a aceitar o Tratado como o equílibrio possível entre países que têm histórias nacionais, culturas políticas e consensos internos mais diferentes do que aquilo que geralmente se assume. E alimenta-se da esperança de que existe um futuro luminoso potenciado por uma união renitente embora também contraditória nas razões do assentimento das partes.
Existem portanto alguns para quem o «bem comum» de um «povo europeu» que não existe nem existirá é mais importante do que o «bem comum» da comunidade nacional. Mesmo para esses, mais tarde ou mais cedo põe-se a questão de saber se se pode atingir o tal «reino de Deus»/«amanhã que canta» comprometendo, de caminho, os princípios em que acreditam.

Laurent Fabius entra na batalha

Laurent Fabius, o dirigente de topo do PSF que, no referendo interno deste partido, fora o principal defensor do «não» ao Tratado constitucional, começa agora a romper o silêncio que se impusera. A escolha do momento é óbvia: as últimas sondagens dão o «sim» em subida, já dentro da margem de erro dos fatídicos 50%. As razões para Fabius se ter mantido silencioso quando outros dirigentes do PSF (como Henri Emmanuelli) partiram em campanha pelo «não», essas poderão estar relacionadas com as suas ambições presidenciais. Juntando-se tão tarde à campanha, Fabius aparece como o mais centrista dos defensores do «não» de esquerda, num contexto em que quase toda a esquerda francesa (trotsquistas, comunistas, republicanos, metade dos ecologistas e metade dos socialistas) se encontra em campanha pelo «não».

Finalmente, juízo?

Jorge Coelho já parece ter percebido que o Parlamento serve para legislar, e que isso é verdade mesmo no caso da interrupção voluntária de gravidez. Só espero que, a haver votação, não se volatilizem os votos afirmativos na bancada do PS. É que um terço da bancada poderá ser católica. Cheira-me a isso...

terça-feira, 3 de maio de 2005

Laicidade lusófona (7): Portugal

(Liberdade de consciência, de religião e de culto)
1. A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.
3. Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
4. As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.
5. É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.
6. É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei.
(...)
(Liberdade de aprender e ensinar)
(...)
2. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
3. O ensino público não será confessional.
(...)
(Limites materiais da revisão)
As leis de revisão constitucional terão de respeitar:
(...)
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;

Ao Parlamento o que é do Parlamento

Descriminalizem a interrupção voluntária de gravidez no Parlamento. É para isso que servem os Parlamentos: para legislar. As tergiversações de ontem são mais um adiamento de uma questão que deveria ter sido resolvida parlamentarmente em 1998, há já sete anos. Os referendos, por princípio, não deveriam ser sobre questões de direitos individuais e/ou de consciência (sobre Tratados internacionais, claro que sim).
Porque será que não se despacham? Falta de coragem?

segunda-feira, 2 de maio de 2005

Revista de imprensa (2/5/2005)

  1. Na última The New Republic, uma crítica implacável das derivas clericais do Partido Republicano feita por Andrew Sullivan. O artigo é curiosíssimo por distinguir o «conservadorismo de fé» (que denuncia) do «conservadorismo de dúvida» (que defende). É evidente que o autor escreve a partir de um ponto de vista de direita, conservador e norte-americano que não partilho. Mas, justamente por isso, é divertido constatar que até nessas paragens improváveis se pode encontrar alguém horrorizado com a cruzada moral que tomou conta dos EUA. Um excerto das conclusões: «What has to endure is not merely a reformed liberalism that can one day take government away from its current masters, but rather a conservatism that does not assent to its own corruption at the hands of zealots. This doesn't mean hostility to religion. It means keeping religion in its safest place--away from the trappings of power. And it means keeping politics in its safest place--as the proper arrangement of our common obligations, and not as a means to save or transform our lives and souls. If we are fighting such a conservatism of faith abroad--and that is the core of the war on Islamist terrorism--then why should it be so hard to confront it in much milder forms at home?»
  2. Como já disse, os artigos de Hélio Schwartsman na Folha de São Paulo são imperdíveis. O último intitula-se «O Papa Ratzinger».

Maioria absoluta duvidosa para Blair

A maioria parlamentar do Partido Trabalhista de Tony Blair nas eleições de quinta-feira poderá estar por um fio. As sondagens dos últimos dias tanto dão o diferencial Trabalhistas-Conservadores em quarto minguante como em quarto crescente. Tendo em conta que o sistema eleitoral britânico (uninominal sem exigência de maioria em cada círculo eleitoral) torna o resultado global muito sensível a pequenas variações locais, neste momento é impossível apostar em qual dos três cenários possíveis se realizará, por ordem de probabilidade: (i) maioria absoluta trabalhista; (ii) maioria relativa trabalhista; (iii) maioria relativa conservadora.
Uma maioria absoluta conservadora é pouco provável, até porque o PIRU (Partido da Independência do Reino Unido) poderá tirar votos aos conservadores em alguns círculos eleitorais.
Tory Blair está em dificuldades principalmente devido ao seu papel na guerra do Iraque, que levará muitos votantes tradicionais dos trabalhistas a absterem-se ou a votarem nos liberais-democratas. Aliás, Billy Bragg apela a que se vote nos «lib-dems» apenas onde isso não possa recompensar os Tories, e Glenda Jackson, uma trabalhista, pede que a elejam para que possa combater Blair no Parlamento. Polly Toynbee acha que a desideologização da Terceira Via impede as pessoas de reconhecerem o que os trabalhistas têm feito de positivo. Saudavelmente, os jornais reino-unidenses assumem as suas preferências partidárias em editoriais.

Laicidade lusófona (6): Timor Leste

Preâmbulo
(...)
Na sua vertente cultural e humana, a Igreja Católica em Timor-Leste sempre soube assumir com dignidade o sofrimento de todo o Povo, colocando-se ao seu lado na defesa dos seus mais elementares direitos.
(...)
Interpretando o profundo sentimento, as aspirações e a fé em Deus do povo de Timor-Leste;
Reafirmam solenemente a sua determinação em combater todas as formas de tirania, opressão, dominação e segregação social, cultural ou religiosa,
(...)
Artigo 11.º
(Valorização da resistência)
(...)
2. O Estado reconhece e valoriza a participação da Igreja Católica no processo de libertação nacional de Timor-Leste.
(...)
Artigo 12.º
(O Estado e as confissões religiosas)
1. O Estado reconhece e respeita as diferentes confissões religiosas, as quais são livres na sua organização e no exercício das actividades próprias, com observância da Constituição e da lei.
2. O Estado promove a cooperação com as diferentes confissões religiosas, que contribuem para o bem-estar do povo de Timor-Leste.
(...)
Artigo 45.º
(Liberdade de consciência, de religião e de culto)
1. A toda a pessoa é assegurada a liberdade de consciência, de religião e de culto, encontrando-se as confissões religiosas separadas do Estado.
2. Ninguém pode ser perseguido nem discriminado por causa das suas convicções religiosas.
3. É garantida a objecção de consciência, nos termos da lei.
4. É garantida a liberdade do ensino de qualquer religião no âmbito da respectiva confissão religiosa.